Mônica Santos Correia. Toda menina negra é um quilombo inteiro. Ganesha Cartonera, 2023.

O processo de escrita não é algo fácil. É desafiador colocar no papel nossas vivências, fragilidades, sentimentos e pensamentos; e esse processo se torna ainda mais complexo quando sabemos que nossa escrita será exposta a outras pessoas, estando suscetível a críticas e interpretações além da nossa. Mas nenhuma dessas questões foi suficiente para impedir Mônica Santos Correia, de 13 anos, de escrever Toda menina negra é um quilombo inteiro, livro que aborda questões como racismo, cuidado com a natureza e cultura quilombola.
O livro é composto por poemas e contos que refletem a preocupação da jovem autora com injustiças sociais atravessadas pelo racismo; com a destruição ambiental impulsionada pelo capitalismo; e com a importância da valorização e do cuidado com os animais e a natureza – além de dar voz à cultura quilombola, trazendo algumas lendas de sua comunidade.
Mônica escreve com tanta sensibilidade e riqueza sobre temas complexos porque são preocupações presentes em sua vida. Além da vivência de menina preta, ela faz parte da liderança do Quilombo Engenho Siqueira, comunidade quilombola no município de Rio Formoso, em Pernambuco; então, Mônica vê de perto cada uma das questões abordadas no livro.
Apesar de ser uma leitura curta, a obra é impactante e comovente por falar de nossas dores sob o olhar de uma menina tão jovem, nos lembrando que o racismo atravessa nossa vida desde cedo. Mesmo antes de entendermos o mundo a nossa volta, ele se faz presente, nos forçando a um amadurecimento precoce.
“Quantos jovens já morreram
Em minha linda idade?
Entraram no mundo das drogas
Por falta de oportunidade”
Mas não só sobre dor Mônica escreve: encontramos no livro contos ficcionais, nos quais a autora demonstra sua criatividade, insere a cultura quilombola e levanta reflexões sobre o cuidado com a natureza. Mônica reflete também sobre o próprio processo de escrita, com poemas que trazem a natureza, mais uma vez, e a religião como fontes de inspiração, emoção e ponto de paz. É muito bonito ver a conexão que Mônica estabelece com plantas, rios e animais, enfatizando a importância do cuidado e a preservação do que é fonte de sustento para as comunidades quilombolas. Seus poemas refletem, de forma muito consciente, a preocupação com a destruição dos recursos naturais e suas consequências, com a violência contra todos os seres vivos e com o apagamento cultural.
“Esse poema é urgente
É bom você escutar
A destruição das florestas
Está difícil de evitar;[…]
Eles cortam tudo sem vergonha
A palmeira cheia de flores
E a árvore que a motosserra cortou
Era o ninho da cegonha”
O livro é uma forma de dar voz a uma cultura muitas vezes silenciada; é um projeto de resistência, motivado pela força e criatividade de Mônica Santos, que encontra na escrita uma forma de manter viva sua cultura e de não deixar sua voz se calar. Seus poemas compartilham suas preocupações e vontade de continuar lutando contra o racismo e as injustiças sociais, contra a exploração da natureza e dos animais. A luta de Mônica não é somente individual, mas coletiva.
“Sentada na beira do terreiro
Fico cheia de inspiração
Escrevendo uma história
Que me dá muita emoção”
É impossível deixar de falar da parte gráfica do livro, editado pelo projeto Ganesha Cartonera. Cada livro possui uma capa única, pintada com cores bem chamativas, e desenhos feitos à mão, sendo também encadernado à mão. Além disso, a capa é feita de material reciclado, o que conversa diretamente com os poemas e contos de Mônica. É um livro lindo de ter na estante.
Toda menina negra é um quilombo inteiro, escrito por Mônica Santos Correia, resulta de um projeto organizado por Rogério Mendes e Clarissa Marques através do Programa Direitos em Movimento, da UPE (Universidade de Pernambuco) e pelo GEPT (Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade). É muito importante a existência de projetos como esse, que impulsionam a produção de literatura quilombola e de mulheres negras.
Apesar dos temas sensíveis, essa foi uma leitura prazerosa, por tratar-se de uma jovem negra encontrando na literatura uma forma de expressão e liberdade. Espero que, no futuro, eu possa ler mais de Mônica Santos Correia – e de outras adolescentes negras.

Texto perfeito!
Parabéns! Sucesso!
Deus te abençoe!
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