O que trazemos da pandemia?

Rachel Quintiliano. Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia. Dandara, 2022.

O texto de hoje aborda um livro de uma jornalista, pensadora e escritora que, ao longo de sua carreira, dedicou-se incansavelmente à defesa dos direitos humanos e à promoção da equidade de gênero e raça. Rachel Quintiliano, uma mulher negra nascida na zona norte de São Paulo, mergulhou no universo da imprensa negra inicialmente como repórter e, posteriormente, como colunista. É nesse contexto que surge o livro Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia”, sua primeira obra autoral, que reúne alguns dos artigos originalmente escritos para a revista Raça.

Ao folhear as páginas deste livro, percebe-se quão pessoal é sua linguagem. Rachel parece abrir as portas de sua casa e compartilhar conosco seus anseios, dúvidas, angústias e esperanças de forma bastante clara. Ela aborda um leque de sentimentos e experiências em um momento singular da história da humanidade: a pandemia de Covid-19. É notável a sensibilidade da autora diante desse tema tão delicado, especialmente ao direcionar seu olhar para a população negra, que foi severamente impactada pela crise de saúde pública. Rachel denuncia as calamidades às quais esse grupo estava mais exposto e também celebra os seus momentos de glória.

O início do livro mostra o comprometimento e a história da autora na participação e construção de uma verdadeira imprensa negra, em diferentes meios de comunicação. Um ponto interessante é que ela traz as origens desse movimento e nos informa sobre o primeiro jornal da mídia negra no Brasil: O Homem de Côr, que surgiu no Rio de Janeiro em 14 de setembro de 1833.

Retomando o tema central do livro -a pandemia sob uma perspectiva negra -, é importante destacar que cada uma de nós, ao ler este texto, certamente se lembrará de planos, sonhos ou projetos interrompidos, adiados ou até mesmo cancelados devido às condições impostas pelo contexto da pandemia. Rachel também nos alerta para a situação das mulheres negras que, isoladas em casa, estão mais vulneráveis à violência doméstica e ao contágio pelo vírus, além de enfrentarem o desemprego de forma mais acentuada.

Ao examinar a pandemia, Rachel observa que o vírus é apenas um dos muitos problemas enfrentados pela comunidade negra, que também sofre com o racismo, a desumanização e a precariedade no mercado de trabalho, entre outras formas de violência. Ela destaca:

“[…] a maioria do eleitorado brasileiro é mulher e/ou negra. Mas o perfil de candidatos e candidatas não condiz com essa realidade […] nesse sentido, fortalecer a presença de pessoas comprometidas com o enfrentamento ao racismo e promoção da equidade parece estratégico para começar a reescrever a história desse país a partir de uma perspectiva afrocentrada, justa e sustentável.”

Além de expor diversas problemáticas que necessitam de debate, justiça e visibilidade, Rachel também propõe uma solução para amenizar o sofrimento: a construção, a longo prazo, de uma candidatura negra. Ela enfatiza a necessidade de garantir a segurança daqueles que se dedicam a representar o povo, afirmando :

“Isso significa, em primeiro lugar, garantir a segurança e a integridade daqueles e daquelas que com esse compromisso se lançarão ao desafio de representar o povo. Não se pode permitir o cancelamento de um sonho, como fizeram com Marielle Franco e tantas outras pessoas ameaçadas cotidianamente, muitas vezes, pelo simples fato de serem negras.”

Para concluir, este livro é uma leitura que pode ser confrontante em alguns momentos, profundamente triste em outros e, parafraseando a autora, até evoca uma sensação de banzo. No entanto, em suas páginas, encontramos também a esperança por dias melhores e por lutas mais eficazes. Como exprime o poema “Ainda assim eu me levanto”, de Maya Angelou, na tradução de Lubi Prates:

“Você pode me fuzilar com suas palavras,
Você pode me cortar com seus olhos,
Você pode me matar com seu ódio,
Mas ainda, como o ar, eu vou me levantar.”

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