Luciana Guimarães Nascimento. Pensamento racial brasileiro e a inclusão social da população negra: o papel da pedagogia antirracista. Appris Editora, 2023.
Luciana Guimarães Nascimento. Aduke e a visita que pintou seu coração de azul e branco. Ilustrações de Márjara Silva. Autografia, 2023.

Doutoranda em Educação, Luciana Guimarães Nascimento, analisa, no livro Pensamento racial brasileiro e a inclusão social da população negra, como as ideologias raciais brasileiras influenciam o campo educacional. A voz da epígrafe, de Abdias Nascimento, merece destaque por sintetizar o racismo como um ato covarde que está enraizado na identidade nacional brasileira:
O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial.
Segundo dados do IBGE, mais de 54% da população brasileira é composta por negros, o que destoa da realidade educacional do país, como aponta Luciana Guimarães Nascimento, considerando as leis 10.639/03, 4.024 e 9.394. Ao longo da narrativa, a autora observa que a população ex-escravizada, tendo recebido a suposta liberdade, foi relegada ao relento, sem acesso às condições básicas para a sobrevivência e sem acesso à educação formal.
Promulgada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a lei 10.639/03 tem por obrigatoriedade estabelecer o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Currículo da Educação Básica, reconhecendo os indivíduos negros como sujeitos múltiplos, dotados de cultura e conhecimentos vastos em relação aos costumes religiosos, as artes, modelos de vida, tradições e crenças. A lei resultou de uma luta travada pelo Movimento Negro e por professores que defendiam a importância do estudo e da valorização das culturas africanas nos ambientes escolares.
Luciana Nascimento nos leva a refletir sobre a condição do sujeito negro nos séculos XIX e XX, quando a teorização racial e a ideia de mestiçagem ganham evidência. Abordando o século XIX, demonstra como ocorreu a rejeição da população negra em ambientes escolares; processo combatido que seria combatido por grupos como a Irmandade Nossa Senhora do Rosário, a Sociedade Flor do Abacate, a Frente Negra Brasileira e o Movimento Negro Unificado, que tentavam diminuir as taxas de analfabetismo e baixo rendimento escolar da população negra. A “Carta de Intenções” proposta pelo MNU pode ser lida como uma das Diretrizes que previa a necessidade da história do povo negro no Currículo Escolar para além de um processo escolarizante. Assim, Luciana Guimarães Nascimento demonstra como a presença da História Africana no Currículo propicia a troca de entendimentos e conhecimentos entre alunos negros e brancos em busca de uma sociedade mais justa e diversa.
Já no livro Aduke e a visita que pintou o seu coração de azul e branco, Luciana presta homenagem à Águia de Madureira. Em sala de aula, junto de seus educandos, a professora e escritora reflete sobre a importância das escolas de samba para além dos dias de folia, como instituições não formais de educação.
A narrativa infantojuvenil nos apresenta a Aduke, uma jovem curiosa de catorze anos, interessadíssima por enredos de escolas de samba. Ela deseja entender a História do Brasil estudando os sambas-enredo. Assim, em uma aula de Biologia, apresenta um trabalho a partir do samba “Reconstruindo a natureza, recriando a vida: o sonho vira realidade” (2008), da Portela, localizada em Madureira – que, na obra ficcional, é o bairro em que Aduke reside. A trama também nos apresenta o professor da menina, Carlos, que assume para a turma que é um integrante da escola, participante dos desfiles e atuante nos projetos sociais. A partir dessa revelação, a aula de Biologia, que era sobre o Meio Ambiente, recebe a contribuição do samba.
Um dia, o professor Carlos tem a ideia de conduzir os educandos a uma visita pela escola Azul e Branco de Madureira. O interesse dos educandos surpreende o professor, que se motiva a mostrar às crianças como as escolas de samba também são fontes de saber e resistência fora do contexto carnavalesco. Aduke fica tão ansiosa com a possibilidade de conhecer uma das mais antigas escolas de samba do Rio de Janeiro que mal consegue dormir na noite anterior ao passeio.
Na obra, é notável a figura de Tia Rita. Ela é quem prepara a primeira refeição de Aduke no dia da visita guiada à Portela e acredita que será a última, devido à ansiedade da menina. Tia Rita faz rememorar imagens de mulheres que com os seus talentos, com o afeto, com a devoção, potencializam o legado portelense – figuras emblemáticas como a Tia Surica, cidadã benemérita do Rio de Janeiro e ícone do carnaval carioca; e Vilma Nascimento, a “Cisne da Passarela”, que fez história como porta-bandeira da escola e, no presente momento, atua como destaque.
Aduke fica impressionada ao se deparar com a imagem da Águia da Portela, sentindo que está vivenciando experiências de um mundo mágico. Ela se anima com a beleza do ambiente, como quem realiza um sonho; ouve atentamente as informações passadas pelo representante do departamento cultural e registra todos os detalhes. A visita é importante não só para Aduke; é inegável que ela é a mais curiosa, mas os demais educandos sentem-se arrebatados por entenderem como a Portela é importante para a história da comunidade que habitam. É uma experiência diferente do que apreciam pela TV. Compreendem que uma escola de samba é composta de exposições, histórias, artistas e diversos tipos de artes que revivem a memória desse patrimônio imaterial.
Para mim, é cativante perceber que o interesse de Aduke não veio do nada, mas por meio de seus familiares. Com amor resenhei este livro, que conta com belíssimas imagens criadas pela ilustradora negra Márjara Silva, que homenageia parte da minha própria história. Minha avó era baiana da Portela e o meu avô, compositor do Império Serrano. Como lembrança dos meus primeiros anos de infância, tenho que nasci em casa de bamba. Obrigada por essa preciosidade, Luciana Guimarães!

Deixe um comentário