Hoje, abrimos o LetrasPretas para Marielle Franco, covardemente executada na última quarta-feira, dia 14 de março. Uma das 32 mulheres negras eleitas vereadoras nas capitais brasileiras, Marielle – que se apresentava como “mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré” – apresentou projetos de lei em defesa dos direitos das mulheres, da população negra, da população LGBT+, e deixa um legado de luta incessante em defesa dos Direitos Humanos. Publicamos, aqui, textos assinados por mulheres participantes do LetrasPretas e companheiras de militância que oferecem uma singela homenagem a Marielle.
Sementes
A tristeza é senhora
Tatuei a palavra ubuntu
Ubuntu!
Agora queria tatuar de novo
No corpo todo
Eu sou porque nós somos, nao é?
Eu sou porque nós somos!
Nós importamos
Vidas negras importam
Vidas negras importam!
Quantos mais precisarão morrer?
Quantos mais?!
Fomos baleados
Todos os corpos negros receberam as balas
Todos os corpos negros!
Era pra cortar pela raiz
Era pra nos calar
Mas o tiro saiu pela culatra
Tentaram te calar,
mas
Ubuntu!
Eu sou porque nós somos!
Todos os corpos negros!
Vidas negras importam!
Quantos mais?
Mais uma
E a lágrima clara sobre a pele escura
Hoje rega a esperança nos espíritos abatidos
À noite
Quando a chuva caía lá fora
Choramos recolhidos
Durante o dia plantamos a semente
Tentaram nos enterrar
Mas esqueceram que somos sementes
Somos frutos de sua luta
Marielle
Marielles!
(Presente!)
por Raphaella de Souza
Temos uma sorte gigante por vivermos na mesma época em que Marielle viveu e por termos acompanhado, de perto ou de longe, a sua luta incessante contra uma sociedade que insiste em silenciar negros, pobres, favelados, mulheres e LGBTs.
Não existem palavras que possam expressar o clima de tristeza que se instaurou no Rio, na última quinta-feira. O céu estava azul, mas acho que ninguém conseguiu admirar a beleza celeste naquele dia. A cidade amanheceu mais triste, perplexa e com um nó na garganta. A frase que mais ouvi ao longo desse dia foi “Eu não consigo acreditar no que aconteceu com a Marielle”. Foi impossível não sentir que um pedaço de nós pereceu junto com ela, diante da violência absurda e da tentativa de silenciamento que a atingiram – e que atingem a tantas pessoas nesta cidade duvidosamente maravilhosa. Quer dizer, até existem pessoas que não se sensibilizaram com o ocorrido porque, como diz uma canção, “há pessoas com nervos de aço, sem sangue nas veias”. Marielle Franco representa a esperança de uma sociedade mais igualitária, mais justa e com mais amor ao próximo. Ela lutou e militou por tudo isso de modo admirável. Temos uma sorte gigante por vivermos na mesma época em que Marielle viveu e por termos acompanhado, de perto ou de longe, a sua luta incessante contra uma sociedade que insiste em silenciar negros, pobres, favelados, mulheres e LGBTs. Ela transformou a opressão social em mola propulsora da sua resistência; da dificuldade, fez renascer a esperança por dias melhores. E foi essa esperança que me fez acreditar que o mundo tem conserto sim se caminharmos todos juntos. Tentaram te silenciar, te enterrar; mas não sabiam que você era semente, Marielle. Cada um de nós carregará essa semente no coração e a semearemos em outros corações sempre que possível. Enquanto essa semente existir, você estará presente e a sua luta não morrerá. Obrigada por defender os que não tem voz e por nos inspirar com a sua coragem. Marielle vive!
por Amanda Lourenço
Recorro à fé e rogo por Marielle: “Oni saurê Aul axé Oni saurê Oberioman Onisa aurê Aul axé Baba Onisa aurê Oberioman”
Quando me lembro de Marielle Franco, há uma dor muito forte, a dor do silenciamento, do pós-golpe, da violência, do egoísmo e da impunidade. Por outro lado, sinto a obrigação de trazer à tona a figura dela, que consequentemente, acalenta as dores e restaura o nosso ser. Marielle foi morta por causa de sua luta. Ela lutava por pessoas que se encontram em situação de fragilidade, lutava de forma corajosa por seus pensamentos e ideologias, uma mulher inteligente, politizada, lidíssima, solidária e, sobretudo, humana. Quando me lembro de Marielle, há uma voz do alto que me diz: “Sê forte e corajosa como ela.” Com a força dos raios de Iansã, peço que a vereadora seja sempre lembrada, sua presença física não estará mais nas favelas, na câmara, nos encontros e nas ruas do Rio de Janeiro, mas estará presente espiritualmente entre todos aqueles que a amaravam e admiravam. Ela foi covardemente assassinada porque sua representatividade revela por si só a face de uma sociedade altamente oprimida em sua essência e extensão, pois era militante em quase todos os segmentos sociais; pois era negra, mulher, lésbica e nascida em uma favela. Mais uma vez, recorro à fé e rogo por Marielle: “Oni saurê Aul axé Oni saurê Oberioman Onisa aurê Aul axé Baba Onisa aurê Oberioman”. Que ela seja levada a um bom lugar, e que seu legado permaneça moldando os nossos corações e sendo força motriz para continuar a luta que ela iniciou. Marielle vive em nós!
por Larissa França
Pensava nela, na sua história de vida, em como estariam as pessoas que a amavam, em como é difícil ser mulher, ser mulher, negra e que luta contra um sistema corrompido é mais difícil ainda
Voltava da faculdade quando li a notícia: as pernas tremiam, os dentes se cerravam com toda força a fim de tentar conter a primeira lágrima, porque eu sabia que se ela caísse não controlaria mais nada. Mas eu queria gritar, queria verbalizar toda a minha raiva e repúdio por essa sociedade covarde, sociedade que é conivente com o genocídio negro, sociedade imunda que silencia mulheres como Marielle todos os dias; que, silenciando a ela, silencia a mim. Mas eu me calei, eu tive medo, eu estava em pânico e me percebi incapaz de lutar, a descrença ficou presa em mim como aquela primeira lágrima que não deixei cair. Eu sabia que tinha morrido um pouco naquele momento, era capaz de sentir minha alma se apequenar a cada segundo que tentava digerir tudo aquilo, como me doeu! Pensava nela, na sua história de vida, em como estariam as pessoas que a amavam, em como é difícil ser mulher, ser mulher, negra e que luta contra um sistema corrompido é mais difícil ainda. Pensava em como a vida era apenas um instante e que, no dia seguinte, poderia ser eu. Hoje, já me sinto renovada, porque Marielle merece isso, sabe? Preciso fazer valer a sua luta, luto por mim e por ela. Hoje, Marielle vive em mim. Hoje, Marielle vive em muitas mulheres. Hoje, Marielle não é uma, é milhares!
por Verônica Silva
Não seremos mais acorrentados e não permitiremos que nos diminuam, nós não nos intimidaremos mais
É um momento de dor, de perda, de comoção. Marielle, mulher negra, lésbica, favelada, vereadora, dedicou uma vida em prol dos direitos humanos. Lutou com garra, determinação, nos representou com destreza. Contrariando as perspectivas de quem planejou essa morte tão brutal, o que seria o nosso extintor se tornou o nosso combustível. Transformamos a dor da perda em uma força motora que nos impulsionou a seguir em frente e carregar o legado de Marielle conosco. Não vamos nos calar! Nesse momento de dor, precisamos ter em mente tudo que ela representava, tudo que ela representa. A esperança não se cala! A voz de Marielle ecoará para sempre dentro de cada um de nós. Somos semeadores, é nossa responsabilidade seguir semeando Marielle. O nosso LUTO se tornou LUTA! Não seremos mais acorrentados e não permitiremos que nos diminuam, nós não nos intimidaremos mais. A luta segue, seu nome não será esquecido, seus feitos estarão guardados dentro de nós. Sua dolorosa morte também nos fez crescer, nos uniu, e pode ter certeza que sua luta não foi em vão, seu legado permanecerá. Obrigada!
por Cinthia Martiniano
Subverter a ordem estabelecida, ocupando espaços que historicamente são negados às mulheres pretas, como a universidade e a política, requer coragem
Angela Davis afirma que “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Marielle Franco vinha corajosamente estremecendo as estruturas de nossa sociedade, amplificando vozes sem visibilidade. Mulher, negra, favelada, lésbica, Marielle era a própria síntese de tais vozes.
Subverter a ordem estabelecida, ocupando espaços que historicamente são negados às mulheres pretas, como a universidade e a política, requer coragem. Coragem que Marielle demonstrava acima da média, pois compreendia que tinha uma responsabilidade coletiva e não vivia só a sua vida.
Portanto, apesar de quererem impor com a execução dela e de Anderson Gomes, seu motorista, o medo e o silêncio, a força das ruas evidencia que o legado de Marielle estará sempre presente, vivo em nós!