Sobre como o destino nos leva a lugares e pessoas inimagináveis

Nicola Yoon. O sol também é uma estrela. Editora Arqueiro, 2017.

Nicola Yoon nasceu na Jamaica; contudo, viveu grande parte de sua vida no bairro do Brooklin, nos Estados Unidos. Mulher negra e imigrante, ela traz a sua vivência para as páginas do livro O sol também é uma estrela. Publicado em 2017 pela editora Arqueiro e traduzido por Isabel Maria P. Fausto, o livro é o segundo publicado pela autora — que já havia publicado, dois anos antes, o best-seller Tudo e todas as coisas — e veio carregado de expectativas devido a esse sucesso.

Na obra, somos apresentadas a Natasha e Daniel. Ela é uma imigrante jamaicana que vive com sua família nos Estados Unidos desde os oito anos de idade e que está prestes a ser deportada. Ele é filho de imigrantes coreanos. Embora a escrita seja leve, carregada de uma atmosfera “juvenil”, o livro é bem incisivo ao abordar os dois extremos da imigração. Na forma da narrativa intercalada entre Natasha e Daniel, somos capazes de vivenciar a imigração pelo ponto de vista de cada um.

Natasha é descrita no livro como uma garota de 17 anos, realista e “pés no chão”, características que podemos atribuir à sua situação de imigrante ilegal, já que teve que lidar durante toda a sua vida com o medo de ser deportada a qualquer momento. Ou seja: a dura realidade de mulher, negra, pobre e imigrante nos Estados Unidos corroborou para a construção desta personalidade prática e realista. A própria Natasha apresenta-se a nós, leitoras:

“Sou uma garota que acredita na ciência e nos fatos. Não acredito na sorte. Nem no destino. Muito menos em sonhos que nunca se tornarão realidade. Não sou o tipo de garota que se apaixona perdidamente por um garoto bonito que encontra numa rua movimentada de Nova York. Não quando minha família está a 12 horas de ser deportada para a Jamaica. Apaixonar-me por ele não pode ser a minha história.”

Já Daniel é um adolescente sonhador e sensível, que almeja ser poeta, mas que, por pressão dos pais, se vê obrigado a cursar medicina. Embora seja filho de imigrantes coreanos, ele nasceu nos Estados Unidos, tem uma família bem estruturada, uma condição financeira estável e, diferentemente de Natasha, não vive constantemente com medo de ter sua cidadania negada. Isso lhe permite ser um “sonhador”, já que não tem problemas mais “urgentes” com que se preocupar. Esse é um dos primeiros pontos abordados pelo livro: como os fatores raça e classe são capazes de influenciar não só no modo de vida, mas também na personalidade de cada personagem. Em uma breve apresentação si, Daniel nos fala que:

“Sou um bom filho e um bom aluno. Sempre estive à altura das grandes expectativas dos meus pais. Nunca me permiti ser o poeta. Nem o sonhador. Mas, quando a vi, esqueci de tudo isso. Há alguma coisa em Natasha que me faz pensar que o destino tem algo extraordinário reservado para nós dois.”

No decorrer do livro, testemunhamos o momento em que o destino de ambos se cruzam – no último dia de Natasha nos Estados Unidos – e o desenvolvimento dessa relação de amor com um futuro quase inexistente.

Na primeira vez que tive contato com a história, senti-me encantada com a premissa do livro, no qual tudo se passa no tempo cronológico de um dia, e assim que comecei a lê-lo não consegui mais parar. Como uma leitora assídua do gênero romance, essa foi uma das poucas vezes em que me senti representada, pois Natasha, enquanto adolescente negra, passa pelas mesmas fases de inseguranças, conflitos emocionais, reflexões e percepções que eu vivenciei durante a adolescência.

Com uma narrativa tranquila e capítulos curtos, é muito fácil se envolver com os personagens e com a trama, que por sinal é bem fluida. Embora a história seja do tipo de romance “clichê”, a narrativa abre espaço para discussões importantes como a transição da adolescência para a fase adulta, heranças culturais, expectativas que os pais depositam nos filhos, racismo e depressão. Nicola, enquanto imigrante, fala com propriedade ao descrever o quão difícil é para Natasha ser expulsa do lugar que chama de “lar” e perceber que, de certa forma, nunca fora bem-vinda nele. E também não peca ao descrever como mesmo nascido nos Estados Unidos, por ser filho de imigrantes, Daniel é visto como um estrangeiro.

Em suma, O sol também é uma estrela é sobre como cada pessoa é um universo cheio de coisas novas, as quais vale a pena parar para ouvir. E embora seja uma leitura simples – pode-se dizer que é um livro para se ler em um dia– nos deixará refletindo sobre como um único dia pode marcar para sempre nossas vidas.

“Todas as pessoas que encontramos e todas as escolhas que fazemos são parte da nossa história. Há um milhão de futuros diante de nós. Qual deles se tornará realidade?”

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