Débora Garcia e Elizandra Souza. Narrativas Pretas – antologia poética Sarau das Pretas. Mjiba, 2020.

Narrativas Pretas – antologia poética Sarau das Pretas é o primeiro livro do coletivo Sarau das Pretas, publicado pela Editora Mjiba em janeiro de 2020. Organizado por Débora Garcia e Elizandra Souza, escritoras e integrantes do Sarau das Pretas, o livro tem projeto gráfico de Thiago Lima, ilustração de capa de Linoca Souza, fotografia de Larissa Rocha e revisão de Dayse Oliveira.
Fundado em 2016, o projeto promove o protagonismo das mulheres negras na sociedade, discutindo temas como o feminino, feminismo, gênero, cultura, ancestralidade negra e a visibilidade LGBTQUIA +, apresentando a construção e o fortalecimento dos espaços de escuta, fala e autocuidado para mulheres pretas através do poder da palavra. Dessa maneira, antologia tem como objetivo destacar novas narrativas desconhecidas para o público, a partir da escrita de mulheres pretas das comunidades de São Paulo, concebendo esses espaços não só como um local em que se produz poesia, mas em um lugar de sociabilidade, e possibilitando discussões sobre temas importantes. O racismo, a violência policial e a valorização de uma identidade negra ganham destaque, expressando as dores, anseios, lutas e conquistas de todas as autoras publicadas, que encaram a escrita como um ato político de existência e resistência. Os saraus conseguem agrupar jovens mulheres que não tinham espaços, fazendo surgir novas vozes que estavam invisíveis no cenário artístico e cultural.
O concurso Literário Narrativas Pretas foi lançado em 20 de novembro de 2019 e teve inscrições gratuitas. Cada autora pôde submeter até 4 textos, sendo que apenas 2 poderiam ser escolhidos para publicação. Assim, a antologia resultante desse processo reúne 40 textos das 20 autoras selecionadas. Dentre essas, foram classificadas as três primeiras, que receberam premiação em dinheiro: Ingrid Martins (1º lugar), Nayla Aauri (2º lugar) e Aiê Antonio (3º lugar). Além das autoras selecionadas, a antologia reúne textos das avaliadoras do concurso, das autoras homenageadas nessa edição e das poetas integrantes do sarau. Nesta primeira edição literária, o coletivo homenageou as autoras Miriam Alves e Luz Ribeiro, ícones de suas gerações, cuja produção literária e atuação social trazem grande contribuição às pautas negras e de gênero.
“Romper com o que está dado, questionar, escrever, ser, existir livremente são aspirações dessas duas escritoras que, cada uma a seu modo, contribuem para este fim com suas escritas.”
A poesia negra acaba com a noção de estereótipo estabelecido pelo cânone literário, por meio de histórias únicas. Com isso, ler Narrativas Pretas – antologia poética Sarau das Pretas é mergulhar nas histórias que desconhecemos, a partir da voz de um “Eu” literário não mais representado pelo “outro”. A cada leitura, é preciso deixar-se afetar por narrativas que expõem a singularidade e a coletividade, conseguindo assim se colocar em situações pelas quais nós, mulheres negras, passamos. Temos experiências a serem compartilhadas; a empatia decorrente das vivências em comum possibilita o resgate da nossa ancestralidade através da oralidade, deslocando o passado para o presente para reconhecer sua história e reafirmar uma identidade a partir da qual podemos nos construir e constituir a literatura brasileira.
Portanto, espero que você, leitora, tenha ficado interessada em se emocionar com a história de tantas mulheres que conhecem e falam acerca dos desafios enfrentados como mulheres negras e LGBTQUIA +, desde a discriminação de gênero perpetuada pela sociedade até o assédio vivido nas ruas diariamente. No livro, encontramos muitas poesias envolvendo amor próprio; destaco três trechos para que sirvam de reflexão. Não deixe de ler a antologia completa, pois após a leitura, você sairá transformada. Só a literatura é capaz de causar tantos desconfortos e mudanças internas.
Faca (Ingrid Martins)
Me diz,
qual é a faca
que te corta?Navalha?
Faca de serra?
Serrote cego
Sem dente?
Busão lotado?
Encoxada?
Homens mandando
em seu ventre?
[…]
Intolerância (Carol Borges)
Agredir, discriminar, violentar,
Oprimir, reprimir, coagirIntolerar de matar, de machucar
Intolerar, contrário de amarAmar sem medo de ser
Sem medo de ser quem somos
Amar e simplesmente amarO amor entre duas mulheres
Nada mais que carinho, afeto e respeito
O amor que pulsa no peito
E que incomoda quem do amor não sabe oUsar /
[…]
Negativa (Claudia Walleska)
[…]
Não quero viver dormindo
Nem quero sonhar acordadaSó quero viver!
Conquistar vitórias planejadas,
Me sentir amada,
Fazer o possível,
Pra qualquer preto humano,
Viver rodeada de pessoas
que me amam.Agradecer aos meus ancestrais,
Por estar viva, mais um ano.
[…]

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