Para ler a poesia de Carolina Maria de Jesus

Amanda Crispim Ferreira. A poesia de Carolina Maria de Jesus: um estudo do seu projeto estético, de suas temáticas e de sua natureza quilombola. Malê, 2022.

Amanda Crispim Ferreira é a autora do belíssimo livro A poesia de Carolina Maria de Jesus: um estudo do seu projeto estético, de suas temáticas e de sua natureza quilombola. Nascida no Paraná, Amanda é mestra em estudos literários pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutora em Letras pela Universidade Estadual de Londrina. É importante ressaltar que sua jornada acadêmica tem como ponto fulcral pesquisas sobre mulheres negras; em especial, Carolina Maria de Jesus.

Já de início, Amanda Crispim enfatiza que a produção literária de Carolina não pode ser considerada “pré-literatura”, e muito menos que ela não é uma escritora. No dizer da pesquisadora, Carolina “infiltrou-se na literatura”. Como explicar isso? Devemos considerar que Carolina entrou em um espaço que não foi idealizado para mulheres negras, pobres e periféricas; mas, através de muito esforço e sacrifício, subverteu o seu destino. Desse modo, Carolina não pode ser vista como uma ignorante ou como uma mulher iletrada, apesar dos poucos anos em que teve acesso à educação formal; sua obra evidencia que ela é fruto de uma “formação não institucional, perpassada pela ancestralidade, pela tradição oral e pela escuta de discursos abolicionistas.” Igualmente importante é a ancestralidade de Carolina, na qual a África ocupa um lugar central: como afirma a escritora,

“O vovô era descendente de africanos. Era filho da última remessa de negros que vieram num navio negreiro.”

Esses fatos demonstram que Carolina era detentora de uma bagagem cultural muito extensa e rica, cujas fronteiras ultrapassavam o Atlântico. Além disso, em um meio acadêmico no qual proliferam discussões sobre desvios da “norma padrão” da língua portuguesa, Crispim alerta que, no caso de Carolina Maria, há simplesmente marcas da tradição oral, que abrangiam, por exemplo, a escuta de diversos discursos de abolicionistas. Logo, Amanda Crispim expõe que a poesia de Carolina é marcada pela “escrevivência”, ou seja: “a observação de suas vivências, seus pensamentos e suas experiências será fundamental, pois é desse lugar que nascerá sua poética.”

Para mais, a autora aponta um traço predominante na poesia de Carolina: o uso de uma linguagem simples e clara, a partir de sua intenção de que todos pudessem ter acesso à informação. Além disso, a poetisa tinha o costume de declamar seus textos; as metáforas que faziam parte de seus escritos serviam como um recurso para facilitar o entendimento da mensagem. Assim, Carolina exercia sua capacidade narrativa, melódica e descritiva.

Vale observar que o título de poetisa não foi recebido pacificamente por Carolina, ainda que ela o utilizasse. Certa vez, Carolina afirmou que esse título só poderia pertencer a “pessoas inteligentíssimas”; em outro momento, ela relacionou a poesia à tristeza: “Para ela, o poeta é um pensador que nasceu para ser infeliz porque vê criticamente o mundo”.

As referências aos autores lidos por Carolina explicitam o seu autodidatismo, considerando-se os dois anos durante os quais conseguiu, com muitas adversidades, frequentar o ensino tradicional. Isso é relevante para refletir sobre a marca da oralidade, tão presente na escrita caroliniana – e que se perde quando o texto é submetido a alterações, como se torna nítido quando cotejamos as versões original e editada de um de seus poemas. Primeiro, a versão original:

“Oh! Meu Deus, quanta saudade
Da minha infancia ridente
Não conhecia a degringolada
Que atinge a vida da gente
Era criança. Não pensava
Que existia sofrimento
Os brinquêdos me facinava
Tódós momentós
{…}”

Agora, a versão editada:

“Oh! meu Deus quantas saudades
Da minha infância ridente
Não conhecia a degringolada
Que atinge a vida da gente
Era criança não pensava
Que existia o sofrimento
Os brinquedos me fascinava
Há todos os momentos
{…}”

Outra característica presente na poesia caroliniana é a reescrita, uma vez que ela aproveitou ideias e textos alheios e também reelaborou seus textos anteriores. A crítica literária Marisa Lajolo comentou que “Carolina é artesã: diferentes versões de um mesmo texto apontam isso”. Todavia, a escrita de Carolina não pode ser resumida em alguns padrões estéticos; como observa Crispim, trata-se de uma escrita contemplada pela crença de que a arte pode ser revolucionária e transformadora.

Carolina não lutava apenas por alimentação e moradia, mas também pelo direito à voz, à palavra, à poesia e ao amor. Estudar a obra de Carolina Maria de Jesus precisa se tornar necessário no currículo básico nacional; ela precisa ver vista como uma das maiores escritoras desse país. É o que eu, Ana Beatriz, pretendo fazer, como futura professora de história, inserindo as suas obras em diversos momentos das minhas aulas.

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