Joselene Negra Black. Costurando Retalhos. InVitro, 2021

Em meio a um cenário literário frequentemente dominado por estruturas elitistas, surge a escrita potente de Joselene Negra Black, que rompe com os padrões convencionais e dá voz às suas próprias dores, sonhos e lutas. Seu livro Costurando Retalhos não apenas desafia as expectativas sobre o fazer poético, mas também evidencia o papel transformador da literatura na vida daquelas pessoas que por muito tempo foram marginalizadas no acesso à educação e à leitura.
A trajetória de Joselene é, por si só, uma história de superação e coragem. Em suas redes sociais, a autora compartilha que sua escolarização formal se interrompeu na 4ª série do ensino fundamental e que, durante muito tempo, a leitura e o estudo foram associados ao racismo e à exclusão que vivenciou na escola. Seu encontro com a literatura ocorreu de forma tardia e, durante a pandemia, sua escrita encontrou um público maior por meio das redes sociais. Esse contexto torna sua produção literária ainda mais significativa, pois mostra como a arte pode ser um refúgio e um instrumento de resistência.
Costurando Retalhos é seu primeiro livro solo e reúne 67 poemas e 3 cartas que ecoam como um grito de resistência. O texto de Joselene não pede licença para existir: ele se impõe, de forma combativa, trazendo à tona questões como racismo, misoginia, etarismo e a invisibilidade das pessoas em situação de rua. Com versos carregados de indignação e força, a autora se posiciona contra todo tipo de injustiça, rejeitando a passividade e se fazendo presente na luta.
A potência de sua escrita se revela, por exemplo, nos trechos em que a poeta discute a necessidade de desconstruir estereótipos sobre mulheres negras. No poema “Grito”, Joselene reflete sobre a liberdade de ser exatamente quem deseja ser, sem precisar se adequar a padrões impostos por uma sociedade racista. Seu texto questiona o silenciamento e celebra a autonomia da mulher negra em suas múltiplas formas. A autora reivindica o direito de existir plenamente, recusando-se a se encaixar em moldes pré-determinados.
“Minha escrita é dura
Meu sangue é quente”
Além do combate ao racismo, Joselene aborda com sensibilidade o etarismo, questão muitas vezes invisibilizada. Em seus versos, a poeta reivindica para os idosos o direito de errar, de experimentar e de viver intensamente, desafiando a noção de que a maturidade deve estar associada à renúncia. Em um dos poemas, ela escreve:
“Ser idoso, não quer dizer deixar de viver
Não quer dizer que você está cansado
O que tem que morrer pra vida
Pode ter prazer, vontade e desejos…”
Essa abordagem desconstrói a ideia de que envelhecer significa apenas seriedade e abdicação dos prazeres, reafirmando o direito à liberdade em todas as fases da vida.
Outro tema presente em sua obra é o impacto da pandemia, período que marcou a vida de todos nós e que ressoa fortemente em seus versos. A incerteza, o medo da perda, o luto coletivo e a necessidade de resistência perpassam seus poemas, que também reconhecem o valor da arte como ferramenta de conexão e esperança. Joselene resgata a importância das lives de artistas naquele período, destacando como a expressão artística foi um alívio em meio ao caos.
A subversão é um elemento essencial em Costurando Retalhos. Joselene subverte a métrica e a forma tradicionais da poesia, criando uma escrita crua e intensa, que foge de amarras e convenções. Subverte a expectativa da maturidade, reivindicando a liberdade de vivência dos idosos. Subverte o silêncio em relação às pessoas em situação de rua ao dar voz aos seus sofrimentos em um de seus poemas. Subverte padrões de beleza, exaltando a pluralidade dos corpos de mulheres negras. E, acima de tudo, subverte a ideia de que só há uma maneira de fazer poesia, provando que a palavra pode – e deve – ser um espaço de resistência.
O luto, a saudade e a necessidade de vivenciar a dor sem pressa também aparecem na obra, em versos que nos tocam pela delicadeza. Joselene escreve como quem sente cada palavra, transformando a dor em poesia. Costurando Retalhos é um convite à reflexão e um chamado à luta, uma lembrança que a literatura deve ser um espaço de pluralidade, acessível a todos.

gratimor por ofertar essas obrigações sobre minha escrita. Sigo nesse caminho do esperançar
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