Entre a fúria e a loucura

Isabella Trindade Menezes. Entre a fúria e a loucura: análise de duas formas de torcer pelo Botafogo Futebol e Regatas. Rio de Janeiro: Multifoco, 2017.

Screenshot-2018-4-29 livro_isabella_evento_lesp jpg (imagem JPEG, 720 × 479 pixels)Entre a fúria e a loucura é a versão em livro de uma dissertação de mestrado defendida em 2010, no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Unirio, por Isabella Trindade Menezes – atualmente, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas e professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Na pesquisa realizada ao longo do mestrado, Isabella Menezes optou por estudar duas torcidas – a torcida organizada Fúria Jovem do Botafogo e o movimento Loucos pelo Botafogo – a fim de compreender, nas palavras da autora, “a relação entre as diferentes representações acerca de ser torcedor do Botafogo Futebol e Regatas”. Com esse propósito, Isabella assistiu dezenas de jogos em meio às duas torcidas, recorreu a conversas pela internet e por telefone e realizou entrevistas com torcedores; em diversos momentos, precisou lidar com os empecilhos associados à sua presença em um ambiente reconhecidamente machista. As diversas passagens da obra nas quais Isabella aborda esses episódios não apenas valorizam seu trabalho, como também demonstram quantos obstáculos precisam ser ainda enfrentados por intelectuais mulheres na contemporaneidade – o que se torna uma tarefa ainda mais árdua no caso das intelectuais negras.

Isabella começa o primeiro capítulo do livro, intitulado “Futebol, memória e clubismo”, discutindo o que intitula “botafoguismo”, ou seja: as características definidoras dos torcedores do Botafogo. A autora resgata a trajetória do clube, desde a fundação do Botafogo Football Club, em 1904, até a perda do campo da rua Voluntários da Pátria, em 1911, e o trágico episódio que ensejou a formação, em 1942, do Botafogo de Futebol e Regatas – após a morte em plena quadra, durante um jogo de basquete, de um jogador do Club de Regatas Botafogo, que jogava contra o já mencionado clube de futebol, o que levou à fusão dos dois Botafogos. Isabella não deixa de mencionar o que denomina “mística que envolve o ethos botafoguense” – “todo torcedor botafoguense é um sofredor nato” – incluindo a supersticiosidade e o sentimento de singularidade, figurado simbolicamente na estrela solitária, que representa “a solidão e o isolamento de um sentimento único, de quem, simultaneamente, vivencia a paixão pelo futebol, traço característico de todos os torcedores, porém, de uma forma isolada, única”. Nesse mesmo capítulo, Isabella aborda os processos de espetacularização do futebol, com a transformação dos torcedores em consumidores – o que, no caso brasileiro, será marcado pelo surgimento do “clube dos 13”, em 1987, que introduziria o marketing no futebol profissional a partir da Copa União; e a formação das primeiras torcidas organizadas, a partir dos anos 1940, ainda subordinadas aos clubes – o que mudaria na virada dos anos 1960 para os 1970, com o surgimento das “torcidas jovens”, mais autônomas, que incorporariam ao seu modo de torcer o protesto, abandonando a postura de apoiar incondicionalmente os clubes.

Isabella descreve então todos os procedimentos adotados para realizar a pesquisa; é particularmente interessante sua descrição da desconfiança com que foi recebida na sede da torcida Fúria Jovem do Botafogo – sendo a única mulher no ambiente, a princípio percebida como jornalista; posteriormente, conseguiu maior acesso à torcida, ao estabelecer contato com um de seus diretores, mas ainda assim enfrentou dificuldades para participar em certas ocasiões – por exemplo, das “concentrações” da Fúria, uma vez que a possibilidade de enfrentamento com torcidas rivais representaria um problema para alguém de seu gênero; ou para assistir a um clássico na arquibancada do Maracanã, o que seria demasiadamente perigoso para uma mulher. Nas palavras de Isabella: “Minha presença enquanto mulher, no universo do futebol e das torcidas organizadas, era perturbador, visto não serem objetos legítimos de interesse para mim, aos olhos dos torcedores”. A situação foi diferente no caso da Loucos pelo Botafogo, torcida na qual as mulheres realizam as mesmas atividades que os homens; nesse caso, entretanto, Isabella relata ter sido tratada como alguém de fora, por ser uma pesquisadora.

O segundo capítulo do livro aborda modos e rituais associados ao ato de torcer, evocando a distinção entre o modelo representado pela Fúria (“a torcida violenta que xinga”) e a Loucos pelo Botafogo (“o ‘movimento’ que se concentra somente na adoração do time”, que não atua como uma instituição formalizada), resgatando ainda a trajetória histórica das duas associações. Já o terceiro capítulo traz a análise de quatro entrevistas, duas realizadas com pessoas ligadas à Fúria (um dos diretores e a mãe de um torcedor, que o acompanha nos jogos); e duas com pessoas ligadas ao “movimento” Loucos pelo Botafogo (um torcedor e uma figura de liderança). Essas entrevistas permitem que Isabella Menezes explore mais a fundo as distinções entre os dois grupos, que procuram – cada um a seu modo – defender seu amor incondicional ao Botafogo.

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