Maya Angelou. Mamãe & Eu & Mamãe. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.
Maya Angelou (1928-2014) foi cantora, atriz, dançarina, ativista, cineasta, escritora e mãe. Essa mulher inspiradora, que foi uma das maiores ativistas do movimento negro nos Estados Unidos, nasceu com o nome de Marguerite Ann Johnson, em 1928, na cidade de St. Louis, Illinois, e completaria 90 anos em janeiro de 2018,
Em seu último livro publicado quando ainda estava viva, Maya Angelou relata sua intensa relação com a mãe, Vivian “Lady” Baxter; uma história que começa com um forte ressentimento e sentimento de abandono se desenrola em uma emocionante narrativa de reconciliação, apoio, amor incondicional, força e luta.
“O amor cura. Cura e liberta. Eu uso a palavra amor não como sentimentalismo, mas como uma condição tão forte que pode muito bem ser o que mantém as estrelas em seus lugares no firmamento e faz o sangue fluir disciplinadamente por nossas veias”
Deixados aos cuidados da avó paterna, Annie, Maya e o irmão passaram muitos anos no sul dos Estados Unidos. Quando voltaram a viver com a mãe, já eram adolescentes; o Arkansas passara a ser um lugar extremamente perigoso para um jovem negro como o irmão, Bailey, que poderia ser morto apenas por olhar para uma branca. Essa, sem dúvidas, foi a mais dura mudança para Maya, que foi tomada pelo ressentimento devido aos anos em que ficou abandonada.
Por mais resistente que Maya tenha se mostrado, Lady, como ela escolhe se referir à mãe, não mediu esforços para conquistá-la; aos poucos, no decorrer dos capítulos, somos apresentados aos – muitos – altos e baixos na construção do relacionamento entre mãe e filha.
“Aquela mulher, que parecia uma estrela de cinema, merecia uma estrela, merecia uma filha mais apresentável do que eu. Eu sabia disso e tinha certeza de que ela também saberia, assim que me visse”
Com uma narrativa autobiográfica poderosíssima, Maya Angelou nos apresenta a força da sua história. Sem poupar palavras ao falar dos abusos sofridos na infância e na vida adulta, ela faz com que a leitora se coloque em seu lugar e sinta o peso de ser uma mulher negra em uma sociedade cruel e altamente racista.
Ao longo do texto, vemos que Vivian Baxter foi uma grande inspiração na vida da filha: uma mulher negra, forte e ousada que ensinou a importância de não desistir ou permitir que terceiros se fossem colocados acima de suas ambições. Com ela, Maya aprendeu também que racismo e machismo devem ser enfrentados e combatidos, criando mais força para se tornar uma mulher independente e lutar para alcançar aquilo em que acreditava.
Vivian é uma mulher tão marcante quanto a filha. Dona de casas de aposta, empresária, enfermeira, agente imobiliária, não deixava de enfrentar qualquer pessoa que se punha em seu caminho; consciente de seu papel como mulher negra, chegou a alistar-se na Marinha Mercante após descobrir que não era um lugar permitido às mulheres. Apoiou a filha quando esta aceitou um trabalho como stripper após o divórcio, e ainda ajudou a escolher os figurinos, tudo em nome da autossuficiência.
Assim como Maya, “Lady B”, ficou famosa por ser uma grande narradora. Fundou a organização Stockton Black Women for Humanity, que concedia bolsas de estudos para alunos negros no ensino médio. Participante ativa de uma ordem maçônica, era extremamente engajada em projetos sociais.
“Você foi uma trabalhadora incansável – graças a você, mulheres brancas, negras e latinas zarparam do porto de São Francisco. Você foi chapeadora naval, enfermeira, agente imobiliária e barbeira. Muitos homens e – se não me falha a memória – algumas mulheres arriscaram a vida para amá-la. Nunca existiu pessoa mais grandiosa que você.”
O livro é um superaprendizado sobre a força do amor, as dificuldades, a cumplicidade na relação entre mãe e filha, que viveram em uma época muito difícil. Ao longo da leitura, me senti inspirada; terminei o livro eufórica. Senti que poderia dominar o mundo, se quisesse. Pude confirmar, ainda, como uma rede de apoio é fundamental para que possamos ter segurança ao sairmos pelo mundo atrás de nossos sonhos.
Não duvido que Maya seria um ser humano incrível, que enfrentaria todas as dificuldades e conquistaria seu lugar no mundo, de qualquer maneira; mas ouso dizer que a mãe foi uma peça importante ao longo de sua vida. Ainda que Vivian não tenha sido uma boa mãe de crianças, foi uma boa mãe de adolescentes e uma pessoa incrível, com a qual Maya pôde contar e se espelhar.
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