A escrita antifascista de Lívia Natália (parte II)

Lívia Natália. As férias fantásticas de Lili. Ciclo Contínuo Editorial, 2018.

csm_lilicapa_ffe2ed4cc7Como têm sido as literaturas que nossas crianças têm lido? Quem são seus personagens? De que modo temos usado esse espaço multicultural que é a sala e aula? Temos integrado ou excluído alunos que não se encaixam nos padrões etnocêntricos? Qual é a nossa função enquanto educadores de um Estado que se diz laico? Qual é o papel da escola na formação desses cidadãos? Que sociedade estamos construindo para o futuro?

Todos esses questionamentos têm me tomado durante essa avalanche de ódio político, muito bem direcionado às minorias – e, nesse caso, direcionados especificamente à população negra, que desde sempre teve sua liberdade de expressão cerceada. Se voltamos um século, temos a figura de tia Ciata, matriarca do samba e mãe de santo, que viveu em um período em que a exaltação do Candomblé era uma prática proibida; hoje essa proibição saiu do papel, visto que temos uma Constituição que prevê a liberdade religiosa e sua descriminação, tipificada na Lei 9.459, de 1997. Entretanto, o que busco saber é sobre sua efetivação na prática: se os terreiros deixaram de ser invadidos e depredados; se as pessoas não sofrem mais agressões nas ruas por estarem usando suas guias; se uma aluna ou um aluno pode falar abertamente de seu Orixá sem sofrer repressão de nenhuma parte; se o Estado, de fato, é laico. Sabemos todas essas respostas, e o que busco saber é simples: o que fazemos/ faremos para mudar isto?

Exu é uma música vociferada por Elza Soares, em que se questiona a todo o tempo a laicidade do Estado e a suposta igualdade de se manifestar todas as crenças nas escolas; é sabido que isso não ocorre – aliás, em muitas escolas se tem como prática a oração do pai nosso no início de cada turno. Por isso, Elza canta:

“De dentro pra fora da escola é fácil aderir a uma ética e uma ótica
Presa em uma enciclopédia de ilusões bem selecionadas
E contadas só por quem vence
Pois acredito que até o próprio Cristo era um pouco mais crítico em relação a tudo isso
E o que as crianças estão pensando?”

É neste momento que voltamos à relevância da produção literária de narrativas como As férias fantásticas de Lili. Lívia Natália afirma que essa obra foi uma maneira de curar a criança que vive em seu interior, por oferecer essa pluralidade cultural; por descentralizar uma cultura; por apresentar a religião de maneira não estereotipada; por enxergar os outros muitos sujeitos que são apagados dessas narrativas e de toda a historiografia, trazendo-os para protagonizar suas histórias. Não há outro caminho para vencer o ódio, que não o da discussão que nos leve a entender e respeitar as diferenças.

O sujeito que não é ensinado a tolerar é ensinado a menosprezar; assim, quando menos esperamos, estamos, mais uma vez, de mãos dadas com o fascismo. Os jovens que estão por aí esbravejando preconceito podem fugir um pouco das nossas alçadas, mas não as crianças: elas estão em formação, e se estamos temerosos com o caminho que nosso país vem tomando, devemos nos atentar a elas – elas são uma garantia, quase que segura, de uma sociedade mais justa, tolerante; de uma sociedade em que a diversidade será vista como um fator de enriquecimento cultural; de uma sociedade em que o amor poderá imperar, e nada mais; de uma sociedade que não deixará racistas, fascistas e machistas passarem!

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