Gevanilda Santos. Relações raciais e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2009.
Coordenada por Vera Lúcia Benedito e publicada pela Selo Negro edições, a coleção Consciência em Debate produziu diversas obras que se tornaram referências fundamentais para quaisquer tentativas de compreender a condição da população negra no Brasil. Conquanto a proposta original da série fosse abarcar também temas de interesse para a população em geral, a publicação de volumes assinados por relevantes intelectuais negras e negros – como Cuti e Sueli Carneiro, por exemplo – concorreu para que a coleção adquirisse um especial prestígio para quem se dedica a estudos associados à temática negra.
Publicado na referida série, o volume Relações raciais e desigualdade no Brasil leva a assinatura da professora universitária aposentada Gevanilda Santos – intelectual negra nascida em Presidente Prudente, filha de migrantes nordestinos provenientes da região da Chapada Diamantina, que em 1969 se mudou para São Paulo e, após estudar até o ensino médio em escolas públicas, graduou-se em História pela PUC-SP. Mestra em Sociologia Política, Gevanilda Santos faz parte da diretoria da Soweto Organização Negra, entidade paulista comprometida com a luta contra o racismo e a intolerância.
Relações raciais e desigualdade no Brasil não se limita a apresentar a realidade brasileira que hoje conhecemos, expondo as consequências sociais das múltiplas formas de opressão racista – embora não deixe de contemplar essas questões no primeiro capítulo, que colige diversos dados e estudos científicos que demonstram a desigualdade econômica entre a população negra e a população branca, bem como os modos como o racismo é dissimulado nas reações interpessoais. Não obstante, nos outros capítulos, a obra resgata toda a história das relações raciais brasileiras, desde a República Velha até o período de redemocratização.
Tratando das primeiras décadas do século XX, o livro de Gevanilda Santos aborda questões como a chegada do pensamento eugênico ao Brasil, o ideal do embranquecimento e o surgimento do mito da democracia racial; já no que tange ao período a partir dos anos 1940, disserta sobre a fundamental atuação de Abdias do Nascimento, a aprovação da Lei Afonso Arinos – primeira lei a tratar o preconceito racial como uma contravenção penal, aprovada em reação a protestos e pressões da militância negra – e os estudos de Oracy Nogueira, Florestan Fernandes e Thales de Azevedo, realizados a partir de projetos propostos pela Unesco. Chegando ao período pós-1964, o volume aborda a atuação do movimento negro durante o período da ditadura militar, referindo a fundação do Grupo Palmares, o movimento “Black Rio”, o surgimento do Ilê Ayê e a emergência do Movimento Negro Unificado. Finalmente, o sexto e último capítulo trata do período da redemocratização, contemplando os avanços na legislação antirracista e o surgimento do Estatuto da Igualdade Racial.
Relações raciais e desigualdade no Brasil foi publicado em 2009 – portanto, em meio ao segundo mandato presidencial de Luís Inácio Lula da Silva, contexto político bastante distinto deste que atualmente enfrentamos. Se naquele momento Givanilda Santos encontrava razões para afirmar, na conclusão do volume, que “hoje, podemos dizer que o mito da democracia racial está sendo desconstruído pela consciência negra e por todos os brasileiros”, considerando o impacto político do Estatuto da Igualdade Racial – que seria promulgado pelo presidente Lula em 2010 –, o cenário atual é bastante diferente: a chegada da extrema-direita ao poder no Brasil e os incessantes ataques às minorias e aos movimentos sociais compõem um cenário extremamente hostil para a população negra. Isso apenas evidencia a importância da obra, que propicia os subsídios necessários para um entendimento acerca da condição dos negros e negras do Brasil e de sua trajetória de luta contra a desigualdade – elementos imprescindíveis para que possamos exercer a necessária resistência.
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