A Bruxa Negra de Salem

Maryse Condé. Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem. Rosa Dos Tempos, 2019.

41ZgJ-XIqVLMaryse Condé, nascida no ano de 1937 em Guadalupe – um departamento ultramarino da França, na região do Caribe – é uma professora, ativista, feminista e escritora destacada na região onde nasceu. Tendo ultrapassado o número de vinte livros impressos, seu primeiro romance foi publicado somente em 1976, aos 40 anos de idade. Hoje, a resenha será dedicada à sua aclamada obra, ganhadora de prêmios literários: Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem.

– Tum, tum, madeira seca! A corte dorme? – Não, a corte não dorme! – Se a corte não dorme, então que ela ouça esta história, a minha história…

Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem, publicada pela primeira vez em 1986 pela editora Éditions Mercure de France, conta a história real (somada à ficção) de Tituba, mulher negra escravizada e acusada por três meninas brancas e cristãs de enfeitiçá-las, o que acarretou um dos episódios mais marcantes de histeria coletiva e intolerância religiosa: o julgamento de Salem. A história popularmente conhecida, que se passa entre os anos 1692 e 1693, enfatiza que Salem foi uma cidade alvo de bruxarias. Confiando nas acusações das meninas, dezenas de pessoas foram presas e/ou mortas nesse período.

O meu nome apenas figuraria como o de uma comparsa sem interesse. Mencionaram aqui e ali “uma escrava originária das Antilhas, praticante de ‘hoodoo’”. Não se incomodariam nem com minha idade nem com minha personalidade. Eles me ignorariam.

Conversando com o futuro no transcorrer da narrativa, Tituba supõe que não terá seu protagonismo defendido, assim como vários personagens negros de nossa história – e ela foi certeira ao adivinhar o destino de sua memória. Por isso, Condé tomou para si a missão de conferir uma narrativa para a “bruxa negra de Salem”, já que os historiadores, conforme a própria autora afirma na obra, não tiveram interesse em sua identidade, sua história e sua voz, apesar de ter sido a primeira mulher acusada no famoso julgamento de Salem.

Com muita sensibilidade, a escritora uniu fatos reais e verossímeis para construção do romance narrado pela própria Tituba. Assim, o livro trata constantemente da rotina cruel de uma mulher escravizada e do terrível cotidiano à sua volta, repleto de suicídios, perdas, sangue, sofrimentos e injustiças.

– Você gosta muito do amor, Tituba

De forma magnífica e realista, Maryse Condé mostra como, apesar dos males vividos, Tituba amava e se entregava ao amor. A personagem narra de forma sensível seus laços de amizade, de família, suas paixões e o seu prazer sexual. Tituba não se limitava quando seu corpo pedia pela intensidade prazerosa do amor, apesar da moral cristã predominante naquela sociedade.

Enfim, Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem é um romance que atinge de modo perfeito, envolvente e realista o objetivo da autora, ao dar importância à história de uma mulher negra em condição de escravizada, vítima de intolerância religiosa e silenciada pela sociedade racista. Condé, com sua genialidade na escrita, representa também as inúmeras Titubas de nossa história.

Obrigada, Maryse Condé, por despertar em nós o desejo de imaginar como seriam os relatos que nossas antepassadas teriam para nos contar sobre suas trajetórias invisibilizadas pelo racismo.

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