Mulheres negras não precisam ser fortes o tempo todo

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A vida inteira estive cercada por figuras femininas fortes: mãe, tias, avós… são as primeiras pessoas que me vêm à mente quando penso em mulheres negras fortes. Elas trabalham, cuidam dos filhos, sustentam a casa, pode-se dizer que carregam o mundo nas costas e se sentem honradas por carregarem o título de “mulheres guerreiras”. E o são, de fato! Que a força dessas mulheres merece reconhecimento, não há dúvidas. Entretanto, sempre me questionei de onde surgiu a ideia dessa força. Quando e onde essas mulheres foram forjadas para estarem sempre inabaláveis, fortes, sem jamais fraquejar? Houve algum preparo específico para isso?

Certa vez, perguntei à minha mãe a origem dessa força e ela me respondeu que é algo que se espera de uma mulher negra que tem que sustentar uma família sozinha. Minha mãe, assim como outras mulheres negras, foi mãe solo, o que significa que a sociedade “naturalmente” cobra dessas mulheres uma estabilidade emocional e tolerância às adversidades maior do que qualquer outra pessoa seria capaz de ter, já que precisam literalmente “se virar em duas” para suprir a falta paterna na família. Assim, é socialmente “natural” que essas mulheres assumam a obrigação de serem fortes por elas e por suas famílias. Mas até que ponto é natural e aceitável que uma mulher negra lide com situações difíceis sem comprometer sua integridade física e mental?

Em um talk show sobre o mito da “mulher maravilha” no evento Power Trip Summit, organizado pela revista Marie Claire, a filósofa e pesquisadora Djamila Ribeiro, que participou do evento juntamente com Fernanda Lima e Karina Meyer, chamou a atenção para quão importante é a humanização dessas mulheres:

Falar sobre isso é importante porque a construção que diz que a gente tem que tomar conta do mundo é caracterizada como um elogio. Dizem que a gente dá conta, mas também temos direito de viver e descansar. Dizem que a gente dá conta, mas também temos direito de viver e descansar. Fazer faculdade e mestrado sendo mãe, por exemplo, foi difícil para mim, mas eu me recuso a naturalizar esse lugar de força descomunal. Isso é extremamente desumano e violento para nós, porque a gente também quer ser humana, ser cuidada e amada. Também queremos ter nossos momentos de paz e de sossego. Precisamos chegar no entendimento de humanizar as mulheres e perceber que elas não são obrigadas a dar conta de tudo.

Somos pessoas, feitas de carne e ossos, sujeitas a cansaço, esgotamento físico e mental, ansiedade, entre outras coisas que nos tornam tão frágeis como qualquer outro ser humano. Portanto, é injusta a forma como a sociedade nos obriga a assumir a imagem de heroínas que conseguem lidar com todos os seus problemas sozinhas sem desmoronar. Pois não somos.

Ouvir um “você é forte, vai superar isso” ou “ você já passou por coisa pior” nem sempre é inspirador, e por vezes carrega um tom de cobrança. Exigir que uma mulher negra seja 100% forte o tempo inteiro é anular sua necessidade de compartilhar seus receios, fraquezas e vulnerabilidades; é pedir que ela se vire sozinha com os seus problemas, o que é algo desumano.

Não somos uma fortaleza inabalável. Por vezes, nos deparamos com problemas grandes demais para resolvermos sozinhas, e é nesses momentos que precisamos reconhecer que somos humanamente limitadas e desconstruir dentro de nós a ideia de que “aguentamos tudo sem estremecer”. Não somos resistentes a tudo e a todos; não precisamos resolver todos os problemas do mundo e, se algo sair do nosso controle, não seremos fracas por isso. Não há nada de errado em reconhecermos nossas fragilidades e limitações.

Mulheres negras não precisam ser fortes o tempo todo.

2 comentários em “Mulheres negras não precisam ser fortes o tempo todo

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  1. Que texto! Que leitura!
    Me chamo Tatiane, tenho 26 anos, sou professora e aluna do mestrado em estudos literários na área de literatura feminina e negra no século XIX, especificamente com Maria Firmina dos Reis. Durante vários momentos ouvi que eu “era forte ” e que suportaria tudo, sem ao menos darem a mim o direito de pensar e fraquejar. Pensar em desistir então, nem pensar! A sociedade nos impõe força e que devemos ser ativistas contra a violência e nos violenta diariamente, impondo a nós uma força que eles estipularam. Sou mulher, negra , forte, mas eu sou humana e quando meus muros caem me falta apoio e a sociedade ao invés de estender as mãos, ao contrário, nos atiram estereótipos. Encontramos apoio em mulheres que assim como eu olham com cuidado e respeito. Encontro apoio em Letras Pretas!

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    1. Olá,Tatiane! Infelizmente, estamos expostas o tempo inteiro a esses tipos de esteriótipos que tiram a nossa humanidade e ter em que ou em quem se apoiar nesses momentos é essencial, por isso fico feliz em saber que se reconheceu no texto e encontrou apoio com a gente.

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