Amor e afeto em uma sociedade racista

Aline de Campos. Todos os olhos em mim: a presença do racismo nos relacionamentos inter-raciais. Quintal Edições, 2020.

Escrito por Aline de Campos, a obra Todos os olhos em mim: A presença do racismo nos relacionamentos inter-raciais é composta por histórias de corpos diversos e experiências semelhantes. Com ilustrações de Aline Lima, o livro publicado pela Quintal Edições traz uma reflexão sobre as expectativas acerca dos relacionamentos inter-raciais e afrocentrados presentes na sociedade brasileira.

Tomando por base seu Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo, Aline de Campos entrevista cinco pessoas (dois homens e três mulheres) que buscam o entendimento do afeto e do amor (a si próprio e ao outro) como pessoas negras em uma sociedade marcada pelo racismo.

“O entendimento do peso da cor da pele é um processo muito doloroso e constante. E é este mesmo peso que impede que o amor-próprio venha naturalmente.”

Na comunidade negra, muito se discute a questão da solidão da mulher negra e, além disso, a solidão daquelas pessoas que são assumidamente parte do movimento LGBTQI+ – pré-requisito fundamental para ser excluída de forma dupla, em relação ao amor afetivo e próprio. No entanto, poucos possuem a percepção que essa exclusão é mais do que um simples falar ou mais do que uma ação que envolve o companheirismo de alguém; nos depoimentos do livro Todos os olhos em mim: A presença do racismo nos relacionamentos inter-raciais,podemos perceber que essa solidão é composta por inseguranças que nos acompanham desde a nossa ancestralidade e cujo peso carregamos até hoje, em decorrência da falta de amparo e exclusão social após a abolição da escravatura, em 1888.

Aliás, gostaria de destacar uma coisa que me chamou bastante atenção durante minha leitura do livro da Aline de Campos, que é a divisão dos cinco capítulos em cinco palavras: “libertação”, “abandono”, “blindagem”, “valorização” e “aceitação”; palavras fortes, que representam como cada entrevistada(o) se sente em relação a determinados enfrentamentos em uma população na qual ainda se acredita no mito da democracia racial, junto à convivência direta com a branquitude em um relacionamento que implica empecilhos internos e externos na batalha do preconceito. Também, palavras que indiciam processos de superação ou negociação,como percebemos ao ler o “Prefácio”, onde vemos como estão as(os) entrevistadas(os) nos dias atuais.

“O corpo humano não é à prova de balas, mas o corpo negro se adaptou a ser, não espontaneamente, e sim como estratégia de proteção.”

O livro-reportagem também é acompanhado de citações que fazem o ponto de vista da leitora sobre relacionamentos inter-raciais e a cultura racista se expandir, seja por meio de análises ou até mesmo novas perspectivas nas falas parafraseadas de Abdias do Nascimento, Lélia González e Angela Davis, entre outras. O livro também suscita reflexões ao abordar questionamentos e ações que na maior parte das vezes passam despercebidos, justamente por se tratar de uma opressão tão naturalizada.

Aline de Campos, de fato, conseguiu abordar emoções e afetos que precisam ser questionados a partir dos fatores sociais e interpessoais que pesam sobre nós por conta de relacionamentos qualificados como “impróprio” ou nomeados mediante outros estereótipos associados ao preconceito contra a cor da pele de um dos sujeitos da relação. Todos os olhos em mim: A presença do racismo nos relacionamentos inter-raciais é um livro que deve ser lido cuidadosamente em vista daquilo que é alarmante. Como a autora diz, a obra não constitui um julgamento para apontar qual relacionamento é errado ou correto de se praticar, ou qual relacionamento possui um traço de racismo presente, mas sim uma reflexão literária.

[Fotos de Caroline Marins]

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