
Sempre tive dificuldade de expor meus sentimentos e, de fato, expor o meu eu para o mundo. Durante toda a vida quis me esconder nas entrelinhas, fingir que não sou protagonista da minha própria narrativa ou enganar a figura do meu próprio sujeito. Isto é, agir por vontade própria sempre foi algo assustador.
Questionamentos curtos, como os que se iniciam com a famosa expressão “E se…”, demonstraram-se presentes cotidianamente durante um certo período de tempo, assim, tornando mais fácil o ato de observar do que falar. Eu diria que os racismos sofridos também foram alvos dessa equação sem resultado, na qual o medo predominava sobre a busca por uma possível resolução acerca de uma timidez e insegurança. Fator que, consequentemente, contribuía mais ainda para os problemas acerca da sociedade, problemas que eu, como mulher negra, não poderia (e nem posso) combater sozinha.
No entanto, olhando para trás, creio – ou apenas me forço a acreditar – que chegou a hora. Chegou a hora de parar de fingir e mostrar o eu escondido ao público que sempre viu os bastidores da minha vida ao longo desses 23 anos. Chegou a hora de mostrar que existe uma mulher negra, sonhadora, leitora, trabalhadora, geek, fã de viagens e, talvez, até um pouquinho sentimental. Chegou a hora de enfrentar as angústias e a realidade escancarada diante meus pés. Chegou a hora de encarar esse medo que foi frequente desde minhas passagens, seja da infância à pré-adolescência ou da adolescência até a vida adulta. Chegou a hora de demonstrar que está tudo bem errar, e tudo bem aprender, ainda que tardiamente. Chegou a hora de reconhecer que talvez, um dia, uma ajuda seja necessária; que ir ao psicólogo não é coisa de gente que não sabe lidar com a vida. Chegou a hora de perceber que talvez eu não saiba lidar com a vida. Chegou a hora de perdoar os que me magoaram. Chegou a hora de ser amada. Chegou a hora de amar. Chegou a hora de perceber que os planos podem dar errado, e é normal. Chegou a hora de notar que está tudo bem ter apoio. Mas, tem hora para superar aqueles que já se foram?
Minha avó era a única que me entendia e sempre esteve presente na minha vida em quaisquer circunstâncias. Foi a pessoa que eu cresci observando e admirando. É a ela que eu digo, ou afirmo a mim mesma, que está na hora de viver e experimentar o que eu sempre tive medo; e é por ela que eu busco enfrentar esse desafio no meio de tantas saudades e tanto derramamento de lágrimas diárias, o desafio de ser eu mesma e me aceitar por completo, pondo minha felicidade em primeiro lugar.
Não sei se irei conseguir alcançar esse objetivo, se vou conseguir lidar com essa nova trajetória, se vou conseguir chegar à metade da lista que tenho em mente, ou se vou ter coragem o suficiente para realizar tal meta. Mas é a essa nova passagem do meu eu que te dedico, vó. Obrigada por me mostrar de tudo o mais belo que tem no mundo, e de tudo o mais feio. Obrigada por ter sido minha parceira e minha amiga. Obrigada, vó Gina.
[imagem: Ayana V. Jackson, Sighting in the Abyss II, 2019]
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