O que aprendi com a obra de Conceição Evaristo

Cursar Letras era minha primeira opção de curso desde o ensino médio, mas minha identificação era com o vernáculo – a gramática e suas classificações – e com a literatura canônica; eu jamais imaginaria que havia muito além disso. Ingressei na Universidade Rural de Nova Iguaçu em 2012 e alguns professores de literatura já tinham esse compromisso de ir além do cânone, em articulação com outras perspectivas; a partir disso, eu soube que havia uma fortuna crítica sobre o assunto, tanto nacional, quanto estrangeira.

Aqui, já falo de quase uma década de aprendizado e pesquisa.

Em 2014, comecei a despertar minha consciência de raça e classe, foi ótimo, mas ao mesmo tempo dolorido: é como acordar de repente de um sono profundo. O sentimento era misto: uma raiva, uma pressa, uma sede de dar conta de todas as teorias – as pessoas [negras] precisavam saber como tudo acontecia.

Comecei por mudar minha aparência: parei de alisar o cabelo e, aos poucos, assumi o cabelo crespo. Via ao meu redor e na internet que isso era um movimento crescente, uma “onda” – como se muitas pessoas negras estivessem conectadas e firmando um pacto identitário. Pude notar quão poderosas somos, mesmo em meio a tantas diferenças. E, de fato, minha inserção na literatura de autoria negra e feminina se deu na disciplina Literatura Brasileira IV, na leitura de O Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. Uma leitura impactante. Outra experiência que tive foi com a leitura do poema “Vozes-Mulheres”, de Conceição Evaristo: a sensação que tive era como se uma ancestral estivesse falando comigo.

Não teve mais volta. Notei que eu poderia ser. Nós poderíamos ser. Poderíamos existir além das dores. Poderíamos ser além do nosso trabalho hercúleo.

Em 2017, tive a oportunidade de conhecer Conceição Evaristo na Biblioteca Nacional, no lançamento do livro Olhos de Azeviche. Foi um momento marcante e cada vez mais tive a certeza de que estava no lugar certo. Ao final da graduação, no mesmo ano, minha monografia teve como tema o cabelo crespo; articulei duas leituras: o romance Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie, e o livro de poemas Não vou mais lavar os pratos, de Cristiane Sobral.

Com Conceição Evaristo, entendi que era possível uma escrita a partir das próprias experiências e subjetividades negras, proveniente da diáspora africana, ancorada na memória e nas experiências concretas do ser. A escrita se tornou um espaço para rasurar as incongruências sociais, ressignificando as possibilidades de compreensão do mundo.


Acredito que essa experiência nunca acabará, nem eu desejo isso. Quero aprender sempre. Hoje, cursando mestrado, trabalho com a obra Insubmissas lágrimas de mulheres: é uma leitura forte; às vezes, percebo em mim uma resistência, meu pacto com essas leituras é real. Eu não abro mão da literatura justamente por essa experiência, quase que mística. A cada conto lido, preciso de uma pausa. Minha intenção é demonstrar que a literatura de autoria feminina-negra pode ser parte de um cânone contemporâneo; é viabilizar esse caminho explorando outras perspectivas, mesmo diante das opressões sociais que incluem o racismo, o sexismo e o epistemicídio.

A meu ver, o livro de Conceição Evaristo não deve ser visto como uma obra à parte, porque aqui já estamos falamos de uma autora premiada e traduzida para outras línguas.


A voz autoral de Conceição Evaristo na Literatura Brasileira também favorece uma abertura de espaços onde outras vozes femininas-negras, socialmente vulneráveis, podem se tornar audíveis, inclusive no ambiente acadêmico – porque todo grupo necessita de referências próprias com o objetivo de consolidar (aqui cabe o verbo “reconstruir”) suas/nossas identidades, acarretando o fortalecimento de nossa autoestima, de nossa cultura, de nossa estética, de nossos sentimentos – de nossa possibilidade de existir.

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