Awon Baba: ancestralidade e memória na obra de Teresa Cárdenas

Teresa Cádenas. Awon Baba. Pallas, 2022.

Teresa Cárdenas é escritora, atriz, assistente social e ativista. Uma das principais vozes da literatura cubana na contemporaneidade, a escritora já recebeu inúmeros prêmios de relevância mundial, entre os quais podemos citar o Prêmio Nacional da Crítica Literária (2000) e o Prêmio Casa de las Américas (2005). Cachorro velho, publicado em 2010 no Brasil – assim como em países Coreia do Sul, Estados Unidos e Canadá – é a sua obra de maior destaque.

Podemos destacar a relevância de Teresa Cárdenas para a contemporaneidade, uma vez que suas obras ecoam as vozes daqueles que foram silenciados dentro da literatura, trazendo uma perspectiva da diáspora negra vivenciada em território cubano. Torna-se relevante contextualizarmos a sua literatura em um movimento disruptivo no âmbito do discurso hegemônico que ocorre na América Latina.

Awon Baba foi publicado no Brasil pela editora Pallas, em 2022. Trata-se de um livro que evoca as memórias e as vozes daqueles silenciados por um passado apagado. A obra é composta por 12 contos que abarcam o período da escravização através de múltiplas vozes: crianças, jovens, idosos, por meio de diferentes modos de experienciar uma existência pautada na escravização. A escrita de Teresa tem a capacidade de alcançar espaços enunciativos que atravessam diferentes modos de sentir o processo diaspórico.

O livro de Teresa apresenta narrativas independentes, mas que em algum momento se esbarram, tecendo um fio condutor através da pluralidade, mostrando um passado repleto de cultura, sabedoria e valores ancestrais. É uma obra multifacetada, na qual se evidenciam a oralidade, a poesia e africanidade.

Destaco um conto específico: aquele que dá título à obra, e que trata de uma família descente de reis, príncipes, rainhas que foram sequestrados e escravizados. No conto, inicialmente nos deparamos com um tom irônico, refinado e cortante. O tataravô do personagem, um bandido perigoso, sai fugido de Salamanca com o propósito de enriquecer. O bandido teve a permissão da igreja católica espanhola para fugir e ganhar a vida – “durante seus longos anos como negreiro, entregou dezoito mil almas à escravidão”. Na velhice, retorna a Cuba com dois engenhos e quatro mil escravizados. Morreu tranquilo. Deixou uma fortuna acumulada para esposa, dona Rosa, e seus filhos – pelo menos, os que tivera dentro do casamento. Os filhos que tivera fora do casamento com Maria do Rosário – Manuela Lucumí, Nicolasa e Caridade da Cruz – nunca foram reconhecidos, tampouco usufruíram de liberdade.

O conto chama a atenção por gerar uma quebra de expectativa na leitora – que provavelmente desejaria um final mais justo. Teresa encerra com um desfecho que nos relembra que não há justiça para a escravização, trazendo uma memória que ainda se faz presente nos dias de hoje. Trata-se, afinal, de um conto que se inicia em Salamanca com um bandido que sai de sua cidade e “ganha a vida” sequestrando pessoas para torná-las escravizadas e termina sua vida gozando de fortunas.

Atualmente, estou lendo Cachorro velho: um livro que pode ser definido como um grito sensível em palavras, assim como “Awon Baba”. É um privilégio poder compartilhar o mesmo tempo de Teresa Cárdenas!

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