Tudo que bell hooks me ensinou sobre o amor

bell hooks. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Tradução de Stephanie Borges. Elefante, 2021.

Antes de apresentar esse livro, sinto-me obrigada a revelar que lê-lo é algo transformador. Prepare-se para se bagunçar.

Tudo sobre o amor: novas perspectivas foi escrito por bell hooks e publicado, nos Estados Unidos, no ano 2000. É o primeiro livro da “Trilogia do amor”, seguido dos livros Salvação: pessoas negras e o amor e Comunhão: a busca feminina pelo amor (que serão futuramente publicados no Brasil, também pela editora Elefante). Dividido em treze capítulos, Tudo sobre o amor aborda as realizações das relações de amor, de forma bem direta e esclarecedora.

“Usamos a palavra amor de um jeito tão desleixado que ela pode significar quase nada ou absolutamente tudo”

O primeiro capítulo do livro nos faz refletir sobre a definição (ou a falta dela) da palavra amor. O que seria o amor, afinal? Utilizamos o verbo ‘amar’ em uma sorte de contextos e, muitas vezes, mal refletimos sobre o que, de fato, é o amor. bell, a partir da definição de Erich Fromm, defende que o amor é “a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou de outra pessoa”. Nessa perspectiva, o amor se distancia dos conceitos de catexia e de preocupação. Muitas vezes, achamos que quem se preocupa ama. Mas bell defende que o amor vai muito além da preocupação, são necessários uma atenção e um real comprometimento com o bem-estar de outra pessoa. Assim, a autora aborda a disfuncionalidade de muitas famílias. Muitas vezes, confundimos as nomenclaturas do que recebemos. É no núcleo familiar e na infância que, geralmente, conhecemos as práticas do amor (e do desamor). bell cita a sua experiência para comprovar como diversas atitudes se disfarçam de amor e ressalva que devemos permanecer atentas para que consigamos diferenciar o que recebemos – “recebia o que estava acostumada a receber – carinho e afeição, geralmente misturados com algum grau de grosseria, negligência e, em algumas ocasiões, franca crueldade”. Nem tudo é válido em nome do amor.

O segundo capítulo nos faz refletir sobre quanto o amor que tivemos ou não na infância influencia o que somos hoje. Adultos inseguros, em algum momento, sentiram a falta do amor. A educação coercitiva na infância, quando a família reprime em nome do amor, não é amorosa. bell nos faz questionar todas as relações, inclusive a familiar, visto que é ela que forma grande parte do que somos. Será que todas as agressões e grosserias para “ensinar a viver” foram realmente gestos de amor?

A autora defende que a mentira não pode estar alinhada ao amor. Aprendemos, durante a infância, que falar a verdade é, muitas vezes, motivo de repressão, e que mentir pode aliviar dores e desentendimentos. Homens, em sua maioria, são criados para não expressarem e mentirem sobre seus sentimentos. E assim, em uma sociedade patriarcal, homens são acostumados a mentir em seus relacionamentos com mulheres, não apenas para não se sentirem vulneráveis como, também, para utilizar essas mentiras como um instrumento de dominação sobre as mulheres. Já as mulheres também mentem, mas como forma de manipulação e elevação da autoestima masculina.

“Homens aprendem a mentir como forma de obter poder, e mulheres mentem para fingir que não têm poder”.

Desse modo, apesar de a cultura da mentira estar mais relacionada aos homens, percebe-se que ela é maléfica para todos os gêneros. E, em muito, ela contribui para uma sociedade machista, em que homens mentem para dominar e as mulheres mentem para evitar o conflito. bell defende que ser honesto é a pulsação do amor.

bell hooks assume a importância do amor próprio e que “quando vemos o amor como uma combinação de confiança, compromisso, cuidado, respeito, conhecimento e responsabilidade, podemos trabalhar para desenvolvermos essa qualidade ou, se elas já forem parte de quem somos, podemos aprender a estendê-las a nós mesmas”. Nós, mulheres, somos ensinadas a amar e a ocupar o papel do cuidado e do acarinhamento em todas as esferas de nossas vidas. E isso, em certa medida, faz com que nos lembremos de amar todos a nossa volta e nos esqueçamos de amar a nós mesmas. É preciso depositarmos em nossas próprias vidas todo o amor que depositamos em outras.

A autora também reforça a importância da amizade e assume que “a amizade é o espaço em que a maioria de nós tem seu primeiro vislumbre de amor redentor e comunidade carinhosa”. Muitas famílias ensinam que as amizades não assumem a mesma importância das relações familiares. Porém, muitas vezes é com os amigos que aprendemos a amar e nos sentimos mais confortáveis para assumir o amor como prática. Contudo, muitas vezes, essas relações se abalam com a chegada do amor romântico. Cada vez mais, precisamos nos desvencilhar da ideia de associar o amor apenas ao parceiro amoroso. Entender que o amor faz parte de todas as nossas relações é crucial para não sermos dependentes emocionais das nossas afetividades.

bell hooks reconhece que, quando amamos, precisamos nos concentrar em um elemento importantíssimo para o amor: a reciprocidade. Muitas vezes, não escutamos o outro e tentamos nos encaixar em relacionamentos disfuncionais, pois não conhecemos os nossos quereres e os quereres do outro. Isso, em muito, se deve ao fato de que

“muitas pessoas que buscam o amor foram ensinadas na infância a se sentirem indignas, a sentirem que ninguém poderia amá-las como realmente eram, construíram um falso self. Na vida adulta, elas conheceram pessoas que se apaixonam por esse falso self”.

Nessa perspectiva, para que vivamos em uma sociedade mais justa e menos desigual, é importante que TODOS amem. Pode parecer clichê; mas, para bell, muitos problemas sociais não existiriam o amor estivesse presente em todas as relações. Quando aplicamos confiança, compromisso, cuidado, respeito, conhecimento e responsabilidade a pessoas de diferentes gêneros, raças, classes sociais não reproduzimos o ódio e, consequentemente, amenizamos a desigualdade. Porém, para bell, vivemos em uma sociedade gananciosa, e tudo é válido para chegarmos ao “topo”, onde tudo que importa é a matéria e o dinheiro. O sucesso da vida é automaticamente relacionado à quantidade de bens que acumulamos e não à quantidade de conexões e amor que damos e recebemos. O crescimento emocional é deixado de lado e, cada vez mais, os nossos propósitos nos distanciam do amor.

bell hooks também discorre sobre como o medo da perda e da morte pode influenciar nas relações amorosas, na espiritualidade e outros desdobramentos da prática amorosa. Considero esse livro como um verdadeiro manual do amor. Não aqueles manuais em que aprendemos a amar; mas aquele que nos dá ferramentas para conhecermos e refletirmos sobre o que é o amor e a força do seu impacto.

“a cura é um ato de comunhão”.

Que aprendamos a comungar o amor.

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