Alexandra Vieira de Almeida. A Serenidade do Zero. Guaratinguetá: Penalux, 2017.
Moradora do Rio de Janeiro, Alexandra Vieira de Almeida é Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, poeta, contista, crítica literária, cronista e ensaísta. Atualmente, trabalha como agente de leitura na Secretaria de Estado e Educação, e é membro da Academia de Letras Teófilo Otoni (MG). Tendo seus primeiros livros publicados em 2011, Alexandra já ganhou alguns prêmios literários, além de publicar suas poesias em revistas e jornais independentes em todo o país.
Composto por 39 poemas, A serenidade do Zero traz ao leitor uma reflexão sobre o silêncio, o vazio, algo que muitas vezes se perde na loucura de um mundo que é cada vez mais frenético. Nesse cenário, a autora nos diz que devemos voltar ao zero, ao princípio. Ainda que tradicionalmente o zero seja visto de maneira negativa, reforçado socialmente com expressões populares como “zero à esquerda”, ou o medo de obter conceito zero em uma avaliação, é nele que encontraremos a plenitude do ser. Observamos que, além de ser um algarismo, ele é o início, a calmaria original perdida nos avanços do mundo. Ao longo dos poemas, percebemos que a busca por essa plenitude começa quando nos afastamos da agitação rotineira, daquilo que é extremamente caótico; ao final de toda essa jornada, a recompensa será a paz da serenidade.
A poesia tem a finalidade de revelar e ressignificar aquilo que é habitual; ao longo dos poemas, o zero surge como representação do elemento que vem romper tudo aquilo que é consenso atualmente. “O marasmo das palavras/ faz acordar preces/ sem um único som” – Silêncio. Mesmo que a busca pelo não-dito seja pregada, a mensagem dos poemas é abundante; dessa maneira, temos a impressão de que cada um dos escritos é, além de si mesmo, vários outros. Dessa forma, pode-se perceber que há muito o que ser dito sobre o zero – o que, de certa maneira, soa contraditório.
A Serenidade do Zero
Deus não está somente na esquerda nem na direita
Do zero proveio a multiplicidade dos outros números
Na confusão das formas
Das línguas das religiões
Precisamos voltar à fonte
A origem sem nome
Ao vazio primordial
Sem dualismo do bem e do mal
Sem som sem sabor
Sem perfumes ou cor
[…]
Nem céu nem inferno
Nem em cima nem embaixo
Nem cá nem lá
O zero em sua solidão não se identifica
O grau zero de serenidade
O divino em pleno despertar.
No poema que dá nome ao livro, a autora faz um apelo, “Precisamos voltar à fonte”, e nos mostra que a origem não é definida por coisa que temos aqui – em meio ao nosso caos –, não estaremos buscando isso ou aquilo, uma coisa ou outra, entendo que não existe dualidade na serenidade a ser alcançada no final da jornada, ela é íntegra em toda sua plenitude.
No verso “O mundo já deu o que tinha que dar”, de A delicadeza do silêncio, a autora não sugere que a humanidade seja destruída, ou algo do tipo. A questão levantada é a do antiperfeccionismo, a percepção de que o homem deve deixar de ser controlado pelo sistema criado por ele para controlá-lo. Nesse poema, novamente Alexandra reforça a ideia de encontrar a serenidade – delicadeza – no curso dos dias.
Antifilosofia
O pensamento
não suporta seu vazioO homem explora enxaquecas
só de soletrar o nome do silêncioZeros se multiplicam elipses
Zero cortam as palavras em fragmentosAs letras rodopiam no prato de memórias
A sopa dos versos de areia
se desfaz no vento do desertoOs camelos carregam livros com páginas em branco
Perigoso é o risco de filosofar
[…]
Nesse trecho de Antifilosofia é apresentada a inquietação da mente humana, a dificuldade que é desacelerar e se repensar, o quão doloroso é refletir sobre o silêncio. Está condicionada a trabalhar incessantemente, e no momento que começamos a desacelerar uma sensação de estranheza se instala.
Se pararmos para pensar no conceito de evolução – que representa um desenvolvimento contínuo de todas as coisas, da maneira mais ágil possível – e repensá-lo a partir de A serenidade do Zero, vemos que Alexandra sugere que façamos o movimento contrário para “… atingir um estado de serenidade e tranquilidade que ocorre no processo reflexivo, pois os poemas são de pura meditação” – palavras da autora durante uma entrevista a uma rádio. Devo dizer que em algum momento, no processo de leitura, me vi refletindo, os textos foram ferramentas poderosas no meu processo de desaceleração e questionamento e reflexão. Ainda que sejamos seres com características individuais, acredito que os leitores tenham sido atingidos, ou tocados, pela mensagem da obra.
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