Léonora Miano. A estação das sombras. Pallas, 2017.
Léonora Miano nasceu em 1973 em Douala, na costa de Camarões, onde passou a infância e a adolescência, antes de partir para França – onde, hoje, reside com sua família. Com dezenas de obras publicadas, a escritora já foi várias vezes premiada: ganhou o Prêmio Goncourt com Contorno do dia que vem vindo (2006), publicado em 2009 pela Pallas; já por A estação das sombras (2013), recebeu os prêmios Femina e Grand Prix do Roman Métis.
Em A estação das sombras, a autora camaronesa dá voz a quem há tempos esteve fora da História. A narrativa se passa em uma época pouquíssimo focada nos livros, tratando da população subsaariana no final do século XVI – época da chegada dos europeus e, consequentemente, início do período cruel de tráfico de seres humanos.
A história começa depois que um incêndio devasta as habitações de um povo isolado, os Mulongo. Em meio ao caos provocado pelas chamas, doze homens desaparecem: dez adolescentes recém-iniciados e 2 anciãos. Não há corpos, nem rastros. Dias mais tarde, as “mulheres cujos filhos não foram encontrados” são isoladas em uma habitação conjunta, a fim de que seu sofrimento não contamine os demais habitantes da aldeia – conselho dado em assembleia por Ebeise, anciã e primeira esposa do guia espiritual da tribo.
… Foi ela quem sugeriu que fossem alojadas sob o mesmo teto as mulheres cujos filhos não foram encontrados.
– Assim – declarou ela – sua dor será contida num recinto circunscrito, e não se propagará por toda aldeia. Temos muito a fazer para compreender o que aconteceu e depois reconstruir…
No decorrer da narrativa, várias questões são levantadas sobre o paradeiro dos doze desaparecidos; para encontrar um motivo para tão grande infortúnio, a tribo se indaga: A razão seria um ritual não realizado? Uma ofensa aos antepassados? Seria bruxaria? Com o tempo, fica evidente que os homens não encontrados não foram mortos, mas sim capturados por um povo vizinho e vendido como escravizados aos europeus – no livro, denominados “homens com pés de galinha”.
Ao longo da obra, são exibidos os retratos da escravidão e do sofrimento ao qual os povos africanos foram submetidos. Alguns personagens têm destaque; é por meio deles que conhecemos um pouco da história desse povo, como era a rotina dos habitantes, o abalo que a tragédia do incêndio causou e como se dá o lento processo de reconstrução e da busca por respostas.
– Tudo acontecia como num sonho. Não era real. Não era possível que estivéssemos vivendo aquilo. Iríamos acordar. Avaliar o desastre provocado pelo grande fogo. Cobrir o corpo de bravura para reconstruir. Honrar nossos ancestrais, pois não lamentaríamos perdas humanas. O fogo ao menos nos poupara a vida. Então, nós iríamos viver.
Temos acesso a ricos elementos espirituais e místicos da cultura africana por meio da escrita de Léonora, como o fato de sonhar é visto pelo povo Mulongo:
O sonho é uma viagem dentro de si próprios, fora de si próprios, na profundidade das coisas e para além delas. Não é somente um tempo, mas também um espaço. O lugar da descoberta. O da ilusão, por vezes, porque o mundo invisível está cheio de coisas maléficas.
De modo geral, a obra pinta o retrato de uma população em um cenário desconhecido e obscuro. Seres humanos que planejaram se beneficiar com o tráfico de outros seres humanos, ao mesmo tempo que esses seres humanos foram drasticamente arrancados do seio de suas famílias. É uma história pesada e sofrida, que gira em torno da morte e da vida que permanece depois dela; de como, apesar de grandes adversidades, o espírito humano segue lutando.
Confesso que demorei um pouco para entender a temática do livro – ou me obriguei a acreditar que o sumiço dos homens se tratava de algo realmente místico; conforme fui avançando na leitura e a temática da escravidão ficou evidente, tanto para mim quanto para os personagens, fiquei triste, não por não estar apreciando a leitura, mas por ter sido uma realidade trágica que ainda ressoa nos dias de hoje. De qualquer forma, minha reação foi bem ao encontro do planejado pela autora: “Não pensei em um livro que seria agradável aos leitores. Os tópicos sobre os quais eu escrevo não são exatamente o que se chama de entretenimento”, disse em entrevista à CULT.
Apesar de não ser uma de ser uma leitura que nos traga questões leves, a meu ver, A estação das sombras é um livro totalmente necessário, tanto pelo tema principal, quanto pela oportunidade que nos oferece de conhecer um pouco sobre os hábitos dos Mulongos.
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