Linda M. Heywood. Jinga de Angola: a Rainha guerreira da África. Todavia, 2019.
Jinga de Angola: A Rainha guerreira da África é uma obra biográfica escrita pela professora de história e estudos afro-americanos Linda Heyhood. Além de tratar aspectos relevantes sobre a trajetória de Jinga, essa produção revisita a origem do nosso povo e reafirma a importância do resgate da ancestralidade. Dividida em sete capítulos, a obra conduz as leitoras a um percurso histórico e coloca em cena a Rainha africana, um dos maiores símbolos da sólida resistência aos portugueses em Angola.
Nzinga, Jinga, Zinga: várias são as formas para se referir à rainha; todas essas variações são provenientes da língua Bantu. Então, leitora, não fique confusa se ao longo dessa resenha outros nomes aparecerem. Para falar de Jinga, é preciso utilizar um elemento importante para construção da narrativa: o tempo. No século XVII, a comercialização de pessoas escravizadas pelos portugueses começa a enfrentar algumas reviravoltas — cabe ressaltar a origem dos núcleos quilombolas —, assim como fortes oposições que impediram muitas ações dos portugueses. Uma delas é Jinga, uma mulher africana admirável, líder política e militar, guerreira, estratégica e valente, que dispunha de muitas estratégias para conquistar reinos vizinhos, defender ativamente seu território e se tornar a nova Rainha do Ndongo — nome de um reino na atual Angola — em meio à oposição de Portugal e do seu próprio povo.
Jinga precisou enfrentar muitos preconceitos até sua chegada ao poder; assim como na sociedade atual, o sistema político daquela época era majoritariamente masculino e todo o processo de sucessão ao trono foi organizado justamente para que as mulheres não tivessem acesso a ele. As relações de poder em Ndongo se baseavam nas relações parentais; quando o pai de Jinga morreu, quem assumiu o trono foi seu irmão, Kia Mbamdi. Começou, então, uma luta incansável pelo governo de Ndongo. A professora Heyhood explora muito bem ao longo de sua obra essas questões de linhagem e árvore genealógica como acontecimentos que levaram Jinga ao poder. Uma das primeiras intervenções de Kia, enquanto rei, foi assassinar o único filho de Jinga, que inclusive era um forte concorrente ao trono. A partir desse e tantos outros episódios da narrativa, é possível observar as inúmeras pressões que Jinga sofreu pelo simples fato de ser uma mulher.
Jinga foi uma mulher que quebrou paradigmas e, na história, há muitas referências de mulheres que foram demonizadas ao tentar contrariar os papéis impostos pela sociedade da época. Lendas, mitos e relatos duvidosos foram propagados sobre a Rainha: muitos estudiosos afirmam que ela foi culpada pelo envenenamento do próprio irmão, ao passo que outros estudos apontam para um suicídio por ordem de forças maiores. Existem muitas versões sobre esse episódio. Há também quem a descreva como uma mulher fria, maligna e impiedosa a ponto de matar os homens com os quais tinha relações sexuais. Apesar de opiniões dividas e algumas contradições em sua conduta — como defender a cultura e religiosidade do seu reino, mas adotar práticas e costumes cristãos —, é inegável que Jinga tornou-se umas das maiores governantes da história da África: historiadores reconhecem sua fama e valentia na luta fervorosa contra a ocupação europeia e a escravidão de seu povo. Aqui, é interessante fazer uma leitura do caráter desmoralizante de boa parte das críticas que Jinga recebeu e o quanto isso coincide com sua postura insurgente aos desmandos de uma sociedade altamente machista e patriarcal.
Vale ressaltar também que essa é uma obra que reafirma a importância da história na vida cotidiana. Através do olhar da professora Heyhood, é possível observar o quanto essa narrativa de quase quatro séculos auxilia na compreensão dos acontecimentos que levaram a humanidade até onde se encontra atualmente – e, principalmente, como essa história contribui para construção de um saber ancestral. Saber a história de uma nação significa resgatar e preservar a tradição daqueles que contribuíram para que chegássemos ao ponto em que nos encontramos. Trata-se de uma oportunidade única para compreender, inclusive, a nossa própria identidade. O encontro com Jinga de Angola ajuda-nos a refletir, por exemplo, sobre como as mulheres, apesar de invisibilizadas, sempre estiveram nas trincheiras de luta, resistindo e elaborando estratégias para um mundo melhor.
O livro conta com imagens, mapas e guias que ajudam a compreender o contexto da época, além de oferecer um panorama histórico que, a princípio, parece um pouco arrastado, mas que é necessário para apreciarmos a figura revolucionária da Rainha Jinga. Com uma linguagem simples, direta e acessível, a obra faz um apanhado muito interessante sobre árvore genealógica, oferecendo muitas referências importantes a quem quiser mergulhar nesse universo. Viva o legado político de Jinga!
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