Jacqueline Woodson. Um outro Brooklyn. Todavia, 2020.

Um outro Brooklyn foi o primeiro romance escrito e protagonizado por mulheres negras que eu li. Fiquei bastante eufórica em ler esse belo romance de Jacqueline Woodson, publicado no Brasil em tradução de Stephanie Borges – jornalista, poeta e tradutora negra –, porque a escritora diz ter revisitado sua adolescência ao escrever o livro; Jacqueline costuma trabalhar com livros do gênero infanto-juvenil e ficção juvenil. Um outro Brooklyn é uma obra sensacional e bem atual, que faz adolescentes negras entenderem um pouco o processo de mudança pelo qual estão passando, como a discriminação pelo seu tom de pele, pelo seu cabelo e pelo seu corpo, por exemplo. É uma leitura gostosa que faz você pedir bis.
A história, apesar de falar da amizade entre Augusta, Sylvia, Angela e Gigi, tem como protagonista a personagem Augusta. No começo da leitura, eu confesso que fiquei confusa: o que a história de Augusta teria a ver com os milhares de rituais de morte que existem no mundo? O livro começa apontando diversos rituais de morte; e, mais à frente, você, leitora entende o porquê – pois Augusta demorou um tempo para perceber que sua mãe não iria mais voltar, ela não entendia o motivo. Vocês devem se perguntar: e por que começar então com os rituais se ela só passou a entender isso no final? Pois, mais uma vez, Augusta enfrenta a morte; porém, dessa vez ela já é adulta e estuda esses rituais, viaja bastante para aprender sobre eles e, no decorrer do livro, a protagonista passa a entender aos poucos o que é a morte. E depois, o que isso tudo tinha a ver com suas amigas? Durante a leitura eu fui entendendo: o livro gira em torno da memória. Essa leitura me fez lembrar do meu período escolar, que foi há pouco tempo, e das amizades que eu tive por lá; de quando, como Augusta, eu brincava na rua ou conversava com meu irmão mais novo. Nos primeiros capítulos, vemos a ótima relação que a personagem principal tem com o irmão e as memórias que ela tinha de sua terra natal, SweetGrove, no Tennessee. Esses laços fortaleceram seu íntimo de ter crescido sem a mãe, mas Augusta sempre estava à espera dela. Este trecho do livro reflete o que a personagem estava dizendo sobre memória e sobre tudo estar ligado a ela: “Em algum ponto, todas as coisas, tudo e todos, se transformam em memória.”
E é depois de ter saído de sua terra natal aos oito anos, sem entender o porquê de sua saída, que Augusta começa a morar no Brooklyn, lugar conhecido como gueto, onde a maioria das pessoas são negras. O Brooklyn se parece com alguns locais periféricos daqui. É interessante ver que, em um primeiro momento, tudo ali é novidade para Augusta e seu pequeno irmão. A personagem fica encantada ao ver o pequeno grupo de amigas, Ângela, Sylvia e Gigi, e quer fazer parte, já que seu irmão e seu pai têm uma conexão, algo que a deixa de fora daquela relação. Depois, para suprimir a falta de sua mãe, Augusta cultiva o amor e a amizade por Angela, Gigi e Sylvia, isso a faz se sentir parte de algo, de uma relação que ela não tem em casa. Sylvia e Gigi também tinham se mudado para o Brooklyn um ano antes de Augusta; apenas Angela sempre esteve ali. Cada uma das amigas tem família e histórias de vida, mas elas se unem para constituir sua própria família, num laço que duraria a vida toda, mesmo que não estivessem mais juntas. Eu achei bem interessante como a protagonista se apoiava em suas amizades, e como elas foram importantes para seu crescimento. Acho que isso a deixou maravilhada, pois era algo que ela não tinha muito em casa – essa conexão de se sentir parte de algo, como eu me sentia no meio dos meus amigos. E o gueto representado de forma tão fiel, as pessoas, os lugares… tudo tão bem representado! Enfim, é interessante ver que, por motivos diferentes, as meninas criaram a sua própria família para serem elas mesmas.
O romance trata de assuntos sérios. Conta, de forma implícita, um abuso sofrido por Gigi e demonstra como ela expressa o acontecido. Isso me fez lembrar os muitos comentários que já ouvi culpabilizando as mulheres pelo modo como se vestem, por seu comportamento, etc. Também é interessante a forma como as meninas, em grupo, debatem sobre o ocorrido e decidem o que fazer a respeito, sempre mostrando que estão ali uma pelas outras. Além disso, também se discute a relação das meninas com os pais, os debates sobre as carreiras que elas queriam seguir, a pressão da família sobre a carreira de Sylvia, as mudanças que estavam ocorrendo nos seus corpos; depois de um tempo, sobre seus namorados e o que já tinham experimentado com eles. No livro, também é mostrado o uso de drogas ilícitas pelas meninas, os momentos históricos (como o apagão em Nova York e os saques que ocorreram), as gangues presentes na região, etc. Todos os assuntos tratados estão presentes na vida de milhares de mulheres e homens negros, mas muitos se relacionam apenas à vida de mulheres negras e não são discutidos abertamente. Os assuntos sérios são abordados de forma moderada, nem muito leve, nem muito pesada de ler: você entende o que está acontecendo pela forma contada, pelas palavras usadas e pelas ações que decorrem depois do acontecido. É somente prestando a atenção nos acontecimentos que a gente percebe a gravidade das situações.
Enfim, acho que a leitura desse livro é bem importante para entender muitas coisas que acontecem, coisas essas que têm impactos nas vidas negras – como a morte ou como alguém que é seu amigo deixa de sê-lo; o uso de drogas; as gangues; a gravidez, etc. –, situações presentes na vida de todos, e que têm um grande impacto na vida de uma adolescente, principalmente no caso de adolescentes negras. Eu indico esse romance para adolescentes e jovens negras pela representatividade e pelos ensinamentos, além da diversão que o livro vai proporcionar. O livro me fez sorrir, chorar e me deixou nervosa em alguns momentos. Por essas e outras sensações, esse é um livro que irei guardar na memória, junto com as eternas personagens – Angela, Gigi, Sylvia e Augusta.
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