Eliana Alves Cruz. Nada digo de ti, que em ti não veja. Pallas, 2020.

Como é bom encontrar um livro que nos faz relembrar nosso amor pela literatura e que nos cura da famosa “ressaca literária”! Após um mês muito pesado devido ao trabalho e à faculdade, acho que Nada digo de ti, que em ti não veja, de Eliana Alves Cruz, chegou na hora e no momento certo. Por favor, se você é uma daquelas pessoas como eu, fã número um do gênero romance, se prepare para se apaixonar por esse livro.
Leitura leve e tranquila, Nada digo de ti, que em ti não veja é o primeiro romance da escritora e jornalista Eliana Alves Cruz publicado pela editora Pallas. O romance conta a história de Felipe Gama e Vitória. Tendo como cenário as ruas cariocas durante a década de 70, vemos um casal lutar por seus desejos e vontades ao redor do pecado e da busca por uma identidade. De um lado, temos Felipe, um homem branco, bem sucedido, dono de terras e que sempre teve a narrativa da sua vida nas palmas das mãos. Do outro lado, temos Vitória, uma mulher trans, pobre, curandeira e preta, que passou por muito sufoco para conquistar sua voz própria. Entre segredos e reviravoltas, vemos as histórias dos dois florescerem a cada aprendizado e etapa da vida.
“Nesta terra estranha em que veio parar por artimanhas da sina, vez por outra ouvia falar de amor, e, a julgar pelas descrições, o sentimento que nutria pelo jovem bem-nascido era o que mais se aproximava dele.”
Nada digo de ti, que em ti não veja é uma obra repleta de mixagens. Por exemplo: as características e personalidades de cada personagem; as relações históricas Rio de Janeiro x Minas Gerais ou Brasil x Portugal. Porém, uma das coisas mais que me chamou a atenção durante a leitura é o jogo divertido que Eliana Alves cria com o leitor, jogo que inclusive me fez lembrar os clássicos literários que eu li na época do colégio.
Com o passar das páginas, podemos concluir que todos os personagens possuem pontos fundamentais para o enredo da história, e que um não funciona sem o outro – Savalú, Quitéria, Antônio Gama ou o frei Alexandre, por exemplo. É quase um “bingo literário” tentar descobrir quem é o verdadeiro protagonista do livro, e também tentar descobrir quem é o famoso personagem das cartas anônimas. E isso tudo sem falar do narrador, que toda hora se intromete em algum trecho para relatar seu ponto de vista ou julgar determinada ação com a sua própria voz e que nos surpreende no último capítulo, tornando a leitura ainda mais divertida.
Porém, apesar do divertimento, o livro também aborda questões sérias como o racismo, a escravidão e as fake news – o que, na minha visão, é algo totalmente irônico, levando-se em conta que a trama é ambientada em 1732; e que, nos dias atuais, ainda passam despercebidos determinados casos – como o trabalho análogo à escravidão – que, infelizmente, são frequentemente noticiados nos jornais.
“A noite já ia caindo e viu que estacionaram para repousar numa clareira. Ele então se encolheu a um canto, fazendo a trouxa de travesseiro. Voltou a sonhar com os seus. Pensava que poderiam viajar para outra província. Poderiam comprar uma terra, plantar, viver em paz em algum cantinho com água e boa terra… Foi só então que reparou que nunca tinha feito isso: pensar em um futuro.”
Por fim,Nada digo de ti, que em ti não veja é um ótimo romance, sobretudo se você está à procura de um livro que te faça envolver-se o tempo inteiro na história. Mas, por favor, não ache que é um romance comum, onde o “mocinho” é o grande herói. Parafraseando as palavras da personagem Vitória: “… traição é um vício de sinhô e de sinhá.”
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