E a minha cor?

Midria. A menina que nasceu sem cor [para crianças]. Jandaíra, 2020.

“Que cor tem uma menina filha de um pai negro como o céu estrelado de uma noite de verão e de uma mãe branca como a lua cheia?

Midria não sabia, por isso sempre se sentiu uma menina sem cor. Pesquisando suas origens, porém, ela percorreu um longo caminho para enfim entender quem é.”

Midria da Silva Pereira é paulistana da zona leste, nascida no bairro de Recanto do Sol. Poeta, estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, educadora, slammer, é uma das organizadoras do USPerifa, que leva a cultura dos slams, da disputa de poesia falada, para dentro da cidade universitária. Atuando desde 2018 nas cenas de slams, já participou do programa Manos e Manas da TV Cultura e viralizou com sua poesia “A menina que nasceu sem cor”, atingindo milhões de pessoas por meio de vídeos compartilhados nas redes sociais.

A menina que nasceu sem cor é um projeto de duas versões que nasceu de sua poesia. O lançamento do primeiro livro ocorreu de forma independente; já a versão adaptada para o público infantil foi publicada pela editora Jandaíra e conta com ilustrações de Ana Teixeira, artista visual e escritora.

O livro trata de questões como abandono paterno, racismo, colorismo, eugenia, relaxamento capilar e muito mais. Todos esses temas complexos e pesados são apresentados com uma linguagem tão simples e acessível, que realmente consegue dialogar com o público infantil – ou com quem não tem conhecimento sobre o assunto e, por uma feliz coincidência, tropeçou no livro.

A história é narrada em terceira pessoa e desde o início já envolve o leitor, pois é possível visualizar o cenário da narrativa, mas não só porque é um livro ilustrado. A narrativa vai sendo construída de forma que nos conduz a imaginar um cenário e a nos identificarmos com os sentimentos e questionamentos da protagonista, que é a própria Midria.

“Como ela era

a mistura de seus pais,

pensou que poderia

ser uma menina listrada,

preta e branca.

Mas será que ela gostaria de ficar

parecendo uma zebra?

Pensando bem, melhor não.”

À medida que a narrativa vai sendo construída e vamos chegando a pontos sensíveis da história, há pequenos flashbacks que explicam alguns conceitos relevantes para a sequência do relato. Para mim, esses flashbacks são geniais, pois eles apresentam definições bastante complexas, como disse anteriormente, de uma forma extremamente simples e didática. Fiquei refletindo sobre como, algumas vezes, não consegui adaptar minha linguagem para explicar racismo ou colorismo para alguma criança da minha família, e encontrei aqui essa linguagem mais adequada.

“Limpar (eugenia)

Para justificar a ideia de que pessoas negras eram inferiores às brancas, no fim do século 19 surgiu uma teoria chamada eugenia. Os eugenistas pregavam que havia uma diferença genética entre brancos e negros que deixava estes últimos em desvantagem, e pretendiam promover uma “limpeza” na sociedade, embranquecendo-a totalmente. No Brasil, incentivou-se a miscigenação (mistura das raças) para que esse objetivo fosse alcançado.”

O livro é bem curtinho, mas a história cativa desde o início e eu, pelo menos, consegui me ver em vários momentos, como na situação de me questionar e questionar os outros sobre a minha cor; a luta para aceitar e reconhecer a beleza e a força do meu cabelo; me inspirar nas minhas semelhantes; e incentivar as crianças com as quais tenho contato a se amarem e reconhecerem sua força.

“Por isso é que

escreveu esse livro.

Para deixar de ser a

menina que nasceu sem cor.

Para se tornar a menina

que carrega no corpo

o orgulho imenso de

poder gritar:

eu sou…

NEGRA”

Foi uma leitura bem prazerosa. Além de conhecermos a história da Midria, é possível ter um sentimento de reconhecimento e uma visão crítica de várias situações que enfrentamos quando mais jovens; mas sobre as quais, talvez, não paramos para refletir sobre mais criticamente. Além disso, achei incrível esse livro voltado para crianças e que envolve assuntos tão reais, atuais e sérios com sensibilidade e um texto acessível.

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