A mulher que pariu um peixe

Rai Soares. A mulher que pariu um peixe e outros contos fantásticos de Severa Rosa. Jandaíra, 2021.

Autora da obra A mulher que pariu um peixe e outros contos fantásticos de Severa Rosa, a maranhense Rai Soares é assistente social e economista; professora associada da Universidade Federal Fluminense, coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisa Afro-brasileiro/NEAB da UFF e o Grupo de Estudos Pensamento Decolonial e Crítica ao Eurocentrismo, desenvolvendo pesquisas sobre as comunidades Quilombolas fluminenses. Além disso, Rai Soares escreve contos, poesias e se arrisca na pintura e no desenho.

Trazendo como protagonista Severa Rosa, como conhecida como Teté, as narrativas do livro resgatam memórias, fantasiosas ou não, do início do século XX, tendo como cenário o interior do Maranhão – num período histórico em que a ausência de luz elétrica era algo comum e não havia água encanada. Assim, conhecemos as lembranças de diversas mulheres negras que nasceram após o período abolicionista; ou seja, os contos trazem em seu íntimo o desejo pela liberdade.

No conto que empresta o título à obra, encontramos Severa Rosa com apenas doze anos de idade – quando, já atuando como parteira, ela testemunhou a concepção de uma mulher que, além de parir uma criança, expeliu um rio que trazia no ventre, atiçando a curiosidade do povo que habitava na região. Mas o que espantosamente aconteceu foi que, em vez de dar à luz uma criança, concebeu um peixe que, meses depois, foi deixado em um rio. Caberá à mãe de Severa encontrar uma explicação, até convincente, para tal acontecimento.

Outras fábulas nos apresentam a luta pela liberdade matrimonial de uma mulher, de uma forma extremamente especial – através do bordado, ela construía o seu destino –, assim como a trajetória de mulheres negras que alcançaram a felicidade após terem sido obrigadas a casar. A liberdade é um tema enfatizado pela autora, que nos permite conhecer a conquista da autonomia e da emancipação em uma relação matrimonial que pode ser vista como abusiva. Na velhice, Severa foi levada até a cidade contra a sua vontade, já que seu desejo era continuar trabalhando na área rural, como sempre fez. Como forma de resistência, ela mantinha costumes interioranos mesmo na cidade.

A agradável escrita de Rai Soares não traz apenas contos ou fábulas, mas documenta e organiza diversas memórias do povo negro brasileiro, resgatando culturas que foram invisibilizadas pela história de um país que se esforçou, e ainda se esforça, para ser branco.

Uma das coisas mais admiráveis que a leitura desse belíssimo livro de contos me proporcionou foi a oportunidade de reconhecer algumas histórias presentes na obra, uma vez que minha bisavó, Maria Francisca dos Santos, compartilhou em vida diversas vivências de Severa Rosa, como uma mulher negra que nasceu no interior, tendo nascido poucos anos após a abolição da escravatura.

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