Bruna Santiago. O pensamento de Angela Davis: perspectivas de liberdade e resistência. Editora Letramento, 2021.

O pensamento de Angela Davis: perspectivas de liberdade e resistência é uma obra escrita pela historiadora, pesquisadora, ciberativista e professora Bruna Santiago. Esse livro apresenta um apanhado sobre a produção intelectual da filósofa, escritora e ativista Angela Davis. Através dessa obra, somos convidadas a mergulhar profundamente em contribuições importantíssimas para a vida das mulheres negras, através de uma exposição que não isola aspectos da produção de Angela Davis, perpassando livros como Mulheres, Raça e Classe, Mulheres, Cultura e Política e Estarão as prisões obsoletas?.
O pensamento de Angela Davis emerge de um incômodo constatado por Bruna ao longo de seus estudos no campo da historiografia: a ausência de intelectuais e pensadoras negras e negros. Para ela, falta à academia e à educação, de forma geral, um conhecimento maior sobre a intelectualidade negra em toda a sua multiplicidade. A busca pelo protagonismo negro foi um dos motivos que levaram a autora redigir essa obra e evidenciar as potências e riquezas de uma figura tão importante como Angela Davis, responsável por levantar questões tão cruciais para pensar a sociedade.
Um ponto importante a ser destacado é a abordagem sobre o legado da escravização a partir de uma análise feminista negra. Nessa primeira parte do livro, há uma ênfase na condição da mulher negra forçada a produzir o mesmo trabalho dos homens negros escravizados, a que se somava a violação de seus corpos pelo estupro, em um contexto social que acumulava as discriminações, os preconceitos e a subalternização da mulher negra. Segundo Angela Davis, é na sociedade capitalista que ocorre o ápice da exploração das mulheres negras: se antes o capitalismo criava a necessidade nas relações sociais, atualmente as necessidades foram interiorizadas pelas pessoas, fazendo com que elas a associem à sua “vontade”; percebe-se, então, que o capitalismo age nas mentes das pessoas através de ideologias que alienam e coisificam os sujeitos. Bruna Santiago pontua a importância da interseccionalidade no movimento sufragista feminino como algo altamente defendido por Davis, pois é necessário que se pense além da conquista do voto; é preciso repensar a causa e perceber que o grande debate em torno da luta pelo sufrágio feminino é uma questão de liberdade. Trata-se não apenas de pensar um gênero em relação a outro, que pelo fato de ter sido oprimido busca igualdade, mas também de uma emancipação em caráter total, de modo que tanto gênero, quanto raça e classe sejam pautas recorrentes.
Na segunda parte do livro, somos convidadas a analisar a obra Estarão a prisões absoletas?, em que a autora faz uma crítica ao sistema prisional norte-americano e suas consequências sociais e econômicas, sobretudo para as populações negra, indígena e latina. A prisão produz, sob a ótica da autora, um trabalho ideológico que livra a sociedade da tarefa de lidar com suas questões e responsabilidades, principalmente aquelas desencadeadas pelo racismo e pelo capitalismo global, o que nos torna pessoas inertes e despreocupadas do problema apresentado pelo complexo industrial prisional. Nesse sentido, é preciso explorar novas formas de justiça, em que a prisão não seja protagonista da injustiça. Uma outra questão levantada nessa segunda parte do livro é como o racismo se manifesta no processo de execução penal para o cárcere feminino. Davis tem realizado uma série de discussões e estudos sobre o que ela chama de abolicionismo penal, entendendo que existe uma ligação entre escravidão e encarceramento em massa, como forma de perpetuação da violência. A vida da ativista é um exemplo dessa realidade. Acusada por crimes de sequestro, assassinato e conspiração, considerada fugitiva das forças policiais, uma das pessoas mais procuradas pelo FBI, Davis foi capturada e presa. Depois de meses, foi inocentada por falta de provas e da mobilização mundial “Libertem Angela Davis”. Bruna Santiago revisita de forma muito competente esse período da vida da ativista e fala sobre as diferentes formas de articulação e a luta por emancipação que as mulheres negras buscaram e continuam buscando até os dias de hoje.
Por fim, debruçamo-nos sobre a luta por liberdade, dando ênfase à atuação das mulheres negras nesse processo. Angela pontua que, apesar das lutas negras estarem historicamente centralizadas na figura masculina, a construção da resistência negra teve contribuições diretas sobre as mulheres negras, que tiveram uma presença ativa na construção de estratégias como fugas, envenenamentos, suicídios e outras múltiplas formas de sobrevivência.
Se lembramos que bell hooks nos convida a pensar margem enquanto “um lugar central de enfrentamento ao discurso e às práticas contra-hegemônicas, sendo também o lugar onde se fica para construir mudanças para comunidade”, percebemos que Angela Davis, bell hooks, Bruna Santiago e outras autoras propõem um novo olhar a marginalidade imposta à comunidade negra. Elas falam sobre um espaço de possibilidade radical; um espaço de resistência em que nós, mulheres negras, podemos ser protagonistas.
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