Barbara Neely. Blanche em apuros. Darkside, 2022.

Barbara Neely é uma romancista e ativista dos direitos das mulheres nascida em Pittsburgh, nos Estados Unidos, em 1941. Formada em gestão de negócios, planejamento urbano e escrita criativa, Barbara é autora da premiada série de livros “Blanche on the lam”.
O livro Blanche em apuros, lançado pela primeira vez no Brasil pela editora Darkside, conta a história de Blanche White, uma mulher afro-americana de meia-idade que decide ganhar a vida como diarista, até que se vê metida em uma confusão ao trabalhar para uma família de brancos ricos.
Blanche White, cujo nome significa a palavra branco duas vezes (o que geralmente causa riso nas pessoas), resolve desafiar as estruturas sociais quando, no seu lugar de mulher negra de classe baixa, se apropria dos estereótipos impostos a ela para subverter a posição em que se encontra. Ela é mãe, filha, irmã, amiga, amante, trabalhadora, tudo ao mesmo tempo. Ao contar sua história, Blanche se torna protagonista de sua própria narrativa, assim trazendo para a literatura policial um contraste com os detetives e investigadores homens brancos que sempre estamos acostumadas a reconhecer como autoridade discursiva. Por isso, Blanche usa nada mais, nada menos que a famosa fofoca ou bisbilhotagem como método investigativo, já que, estando em um lugar de invisibilidade social, ela passa despercebida pelos espaços.
“Da mesma forma que a mulher que nela vivia, a casa a reconhecia apenas como uma função”
Logo de início, acompanhamos o dilema da personagem principal, sentenciada a 30 dias na prisão após emitir cheques sem fundo. Num ato totalmente desesperado, resolve fugir e se refugia em uma casa isolada da cidade, na qual trabalha com serviços domésticos. Porém, aquilo que parecia ser mais uma experiência normal com patrões brancos elitizados se torna uma verdadeira história de suspense. A convivência com Grace, Everett, Emmeline e Mumsfield a faz perceber que ali se vive de aparências e que há muitos segredos ocultos. Blanche acaba sendo acusada de assassinato, e investigar para além da polícia se torna uma questão de sobrevivência. No fim, não se trata dela ser vítima ou culpada, mas de ser colocada em uma posição que reitera as opressões vivida por corpos negros.
Através de seu olhar de narradora, nossa protagonista nos aproxima dos pensamentos de uma mulher negra que vive e sente aquelas violências em sua própria pele. São violências produzidas pela própria estrutura misógina e racista de nossa sociedade. As questões de gênero, raça e classe estão muito bem delineadas na obra, na qual aparecem de forma leve e cômica. A ironia e o riso, nesse contexto, servem para chamar a atenção aos absurdos que naturalizamos no cotidiano. Por isso, Blache tem humor ácido, é sarcástica, engraçada, perspicaz, inteligente. Tudo isso passa despercebido aos olhos dos brancos. Na obra, temos essa inversão proposital: os brancos são “o outro”. E, mesmo assim, como leitoras, o tempo todo somos conduzidas pelo olhar de Blanche.
“Ela desejou ter alguma criancinha branca para empurrar em um carrinho ou um poodle em uma coleira, para poder dar a impressão de que pertencia àquele local”
Nesse sentido, a narração dos afazeres domésticos possui grande destaque: ao invés de ser plano de fundo, ela fica em primeiro plano, pois é o contexto do qual Blanche faz parte. É na cozinha, limpando os quartos, servindo o almoço que os diálogos e as cenas se desenrolam. Segundo a própria Blanche, “interpretar pessoas e sinais faz parte do seu trabalho, assim como esfregar o chão e fazer as camas”.
O livro de Barbara Neely se mostra, portanto, essencial para trazer à tona importantes discussões, através da voz de uma mulher negra, empregada doméstica, que não se comporta como submissa frente à realidade. Decerto, Blanche é como muitas outras que não são invisíveis de fato; mas que, colocadas no lugar da marginalidade social, quase ninguém sabe enxergar.
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