O suicídio entre as universitárias negras e a hipocrisia e crueldade da vida acadêmica

Esses dias, durante uma sessão com a minha psicóloga, que é negra, falávamos sobre suicídio. Ela me explicava como há de forma escancarada um projeto político no Brasil, muito sofisticado, que tem como objetivo o extermínio da população preta. Isso não é novidade para quem estuda as questões étnico-raciais; porém, entre as estudantes e intelectuais negras, o adoecimento psíquico que culmina em suicídio continua crescendo de maneira assustadora.

A caminho da terapia, eu ia refletindo sobre a minha própria trajetória acadêmica. A maior parte da minha infância foi no morro do Vidigal e em escolas próximas a outras comunidades. Uma forma que encontrei para fugir de uma realidade cercada de precariedade e de outros traumas foi desenvolver uma relação muito precoce e estreita com a literatura. Carolina Maria de Jesus já dizia que é preciso, através da realidade literária, criar um universo de fantasia. Hoje compreendo que a referência a esse universo de fantasia, através da literatura e dos estudos, era Carolina nos ensinando como mulheres pretas criam e recriam formas de resistência para sobreviver em um país que nos tem como alvos de violência e morte. Esse projeto de necropolítica é tão sofisticado que, mesmo entre as pesquisadoras negras, as formas planejadas para nosso extermínio físico e simbólico muitas vezes passam despercebidas, pois nossa morte pode vir de várias formas, que vão desde o adoecimento psíquico até a nossa entrega aos vícios como meio de fuga de uma realidade que nos anula como seres humanos – e aqui eu falo especificamente do ambiente acadêmico.

Por acaso, acordei hoje, dia 8 de agosto de 2023, com a notícia de que um menino negro com apenas 13 anos de idade foi assassinado pela polícia em uma favela carioca. Seu nome era Thiago Menezes Flausino e ele vivia na Cidade de Deus. Não há como naturalizar isso. Uma forma de fugir dessas crueldades tem sido me poupar de ver essas notícias logo pela manhã, mas hoje não escapei e segui com o meu dia. No entanto, à noite, recebo a notícia de que uma amiga preta, que tinha o sonho de ingressar em um mestrado na Bahia, se suicidou após a conquista da vaga.

Hoje eu, mulher preta, acadêmica, não tive como escapar de algumas reflexões. Porém, ao invés de uma tristeza profunda, o que tenho sentido é uma raiva que me impulsiona. Conversava isso com uma companheira hoje. Nesse sentido, pensando na minha realidade como mulher preta e acadêmica, penso cada vez mais em como transformar a minha raiva em ação. Agir. Procurar cura: seja no aquilombamento, quando me junto com outras pretas; seja na espiritualidade que herdei da nossa ancestralidade (falo diretamente para as mulheres pretas); seja valorizando a minha vida e as minhas conquistas até aqui.

O título desse texto fala sobre hipocrisia e crueldade da academia, pois esse espaço ainda é institucionalmente racista; e, mais do que isso, posso dizer que as pessoas brancas, essas que se dizem da esquerda, que ocupam espaços na docência universitária, os orientadores que não possuem responsabilidade em relação à vulnerabilidade dessas pretas que ingressam na universidade pública, todos eles se preparem. Pois, cada vez mais, nós, universitárias negras, vamos entender que o jogo vira à medida que aprendemos a lutar para estar nesses espaços através do nosso empoderamento. Através da nossa união.

A guilhotina simbólica para os hipócritas que ocupam esses espaços e que pensam que o racismo por trás do discurso da meritocracia não terá punição, essas pessoas que aguardem. O dia delas vai chegar. Nosso tempo é agora. Luta. Resistência. Valorização da nossa cultura, amor pelos nossos. Eles que fiquem alerta… é o ditado: Exu matou um pássaro ontem com a pedra que tacou hoje. Devagar a gente chega lá. Fica a reflexão, pois podemos sentir raiva, sim; mas, a partir dela, a estratégia é não adoecer, mas usar isso como impulso para nossa luta. Justiça para os nossos, punição para os hipócritas.

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