Poesia de Silêncios

Eliane Rubim. O não-dito. Porto Alegre: Livraria Palmarinca-EDITORA, 2005.

photo_2017-10-09_00-08-17Jornalista, filósofa, cineasta, ativista engajada em movimentos sociais, Eliane Rubim entende a escrita como um instrumento de expressão muito potente. Nascida em Alegrete (RS), em 17 de dezembro de 1984, atualmente faz parte de coletivos libertários e de agitação cultural. Também tem uma larga experiência com Rádio Comunitária e na produção de eventos culturais, como a Feira do Livro Independente e Autônoma, realizadas com o fim de articular e conferir visibilidade a escritores locais. Ilustrada por Pirata Leães, a capa do volume traz uma imagem que visualmente nos remete a um corpo adormecido, inerte ou acabado – uma representação instigante e misteriosa, que nos possibilita uma gama de interpretações.
O não-dito é uma obra composta por aproximadamente oitenta poesias, que trazem à tona uma série de reflexões profundas, remetendo a questões filosóficas, existenciais e dilemas da vida cotidiana. Este livro possui escritos publicados por Eliane Rubim em seu blog pessoal, Universo Paralelo, no período entre 2000 e 2004, dos seus 15 aos 19 anos. É uma coleção de poemas melancólicos e filosóficos pela maior parte, em que a uma grande simplicidade na forma se alia um sentimento apaixonado e veemente. O título nos intriga, suscitando reflexões sobre aquilo que não é declarado, sobre aquilo que está silenciado, sobre o que não é permitido falar. A linguagem característica dos poemas de Eliane pode surpreender as leitoras. A poetisa se utiliza da literatura para melhor definir suas preocupações com a origem das indagações éticas, morais e de valores que tanto atormentam a humanidade. Outra característica de seus poemas — comumente perceptível através da leitura, e até mesmo na apresentação do livro— é a visão pessimista da vida. Eliane tem um pendor indisfarçável para a observação, descrença e questionamento sobre as coisas do mundo. Trata-se de uma aptidão de espírito que leva a autora a escrever sobre esse lado sombrio e que foi perenizada genialmente em seus belos poemas.
Em O não-dito, encontramos muitos temas que dialogam com leituras e vivências, motivos relevantes para pensarmos a nossa vida como um todo: reflexões líricas sobre o corpo, a memória, a liberdade, o ódio, o amor e a solidão. No meio de tudo isso ainda há uma elaboração estética que privilegia a criação de várias formas de compreensão da obra, e que podem marcar o próprio ritmo da leitura, propiciando assim expressividade e força aos poemas. Somos, dessa forma, chamadas a reconstruir todo um pensamento carregado de lirismo. Algumas páginas trazem marcas que indicam silêncios, e através delas somos convidadas a construir todo o ritmo para chegar ao entendimento desses desabafos líricos repletos de experiências intensas. Versos que unem recursos essenciais da produção literária de Eliane: anseios, experimentações políticas e artísticas e questionamentos , o que aparece nitidamente quando analisamos trechos de um dos poemas, O cheiro do ralo:

Com a cegueira
aprendi a amaciar minhas mãos
curar os calos
lavar os sonhos.
Paro por instantes
E tento ouvir os gritos.
São dores endurecidas
amaciadas pela cegueira.
[…]
O belo sorri e chora
Eu apenas contemplo
(carlos, não)
O silêncio soprou
E eu não posso dizer mais nada.

É muito fácil se envolver com a escrita da autora, já que os poemas, em sua maioria, são curtos e carregam uma marca que não passa despercebida: a sensibilidade – sensibilidade para encontrar em variados temas o que há de mais profundo e bonito. Cada leitora certamente irá se envolver de um modo diferente; esse é um dos papéis centrais da poesia: ensejar sensações diferentes em momentos diferentes, principalmente quando se trata de uma obra como a de Rubim, que nos faz refletir sobre tantas temáticas. Pode-se também mencionar os poemas que a autora criou formando jogos de palavras e fazendo articulações instigantes, revelando sua intimidade com as palavras da melhor maneira possível.
Conforme a sua bagagem – de vida e cultural – você pode enxergar uma obra introspectiva, melancólica, até certo ponto triste, ou então o registro de um sonho, de alguém que se esforça para admirar o que está nas entrelinhas, que vê o mundo sob uma perspectiva otimista e que tira forças do mundo das não-palavras. O não-dito age em mim de uma forma ímpar, um misto de apropriação e pertencimento, representatividade e otimismo – quase uma poesia dos calados. ­

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