Chimamanda Ngozi Adichie. Americanah. Tradução de Julia Romeu. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Premiada obra da escritora e feminista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie – autora de outras grandes obras como Meio Sol Amarelo, Hibisco Roxo e Sejamos Todos Feministas, as duas últimas já resenhadas aqui no blog –, Americanah nos permite acompanhar a trajetória de Ifemelu, uma jovem nigeriana que decide deixar sua terra natal em busca de melhores condições de estudo nos Estados Unidos.
No início do livro, somos apresentadas às versões mais jovens de Ifem e Obinze, além de parentes e amigos dos dois. Os dois desenvolvem uma conexão muito forte assim que se conhecem, já que têm muitos interesses em comum. Ifem e Obinze podem ser si mesmos e se aceitam do jeito que são. Mesmo quando estão separados, a autora mostra que influência que um exerce sobre o outro ainda está presente, mesmo que eles não tenham total consciência disso.
Uma personagem que chama bastante atenção desde esse início é a Tia Uju, tia de Ifemelu. Tia Uju era médica e modelo para Ifemelu; ela era divertida, estava sempre bem arrumada, era a cara da riqueza e melhor amiga de Ifem. Até que, por um golpe do destino, Tia Uju é obrigada a abandonar a vida de riqueza em Lagos e acaba indo para os Estados Unidos. Tia Uju parece ter deixado parte de si na Nigéria ao partir, e essa é a primeira coisa que Ifem nota ao visitá-la nos Estados Unidos. Ao longo da leitura, é fácil perceber a perda de personalidade de Tia Uju; ela havia se curvado aos Estados Unidos.
Apesar de Ifem estranhar a atitude de Tia Uju assim que chega aos EUA, o mesmo acontece gradualmente com ela durante o tempo que passa naquele país, enquanto Obinze está na Inglaterra. Os dois acabam se encolhendo e se perdendo enquanto estão no exterior. São pequenas ações que são feitas – ou que deixam de ser feitas – que demonstram a conformidade e a insegurança dos personagens, numa tentativa de se adequar ao estrangeiro. Isso pode ser visto na seguinte conversa entre Ifemelu e Tia Uju:
“Vou ter que desfazer minhas tranças para a entrevista e fazer relaxamento no cabelo. […] Eles acham que não é profissional se tem cabelo trançado.”
“Então não existem médicas de cabelo trançado nos Estados Unidos?”, perguntou Ifemelu.
“Falei o que me disseram. Você está num país que não é o seu. Faz o que precisa fazer se quiser ser bem-sucedido.”
A mudança também é notada pela própria personagem em vários momentos; reflete-se nos relacionamentos de Ifem com os amigos, na vida amorosa e profissional. Essa percepção faz com que a personagem sinta saudade da pessoa que já foi e da vida que já teve, mas ela decide continuar mantendo a máscara da sua americanidade por ser mais proveitoso.
Já Obinze vive em um contexto bastante diferente daquele em que vive Ifemelu. A autora mostra os dois extremos da situação de um imigrante em dois países diferentes. Enquanto Ifem tem um emprego e pode ser considerada bem-sucedida, Obinze procura meios não tão legais de conseguir um visto e legalizar sua permanência no país. Para tanto, ele acaba engolindo humilhações vindas de outros cidadãos europeus e de seus amigos nigerianos que residem no país; isso porque eles tinham o que Obinze ansiava ter desde a adolescência – a casa bonita, a família e a vida no exterior; ou o que ele achava que queria ter. Obinze acaba retornando a Lagos, não por vontade própria; encontra-se desempregado, em choque e com pena de si mesmo, devido à sua saída compulsória da Inglaterra.
Além do relacionamento entre os protagonistas, a autora também fala da questão da raça de forma bem nítida durante o livro. Na verdade, Ifemelu só se descobre uma pessoa negra quando chega aos Estados Unidos e sofre pequenas violências que não percebe como racismo, até porque isso não era uma preocupação enquanto ela vivia na Nigéria. Então, Ifemelu acaba aprendendo que deveria ficar brava em certas situações, mesmo sem entender direito por que ela deveria ficar brava. Dessa forma, a autora evidencia o racismo presente na sociedade, mas forma de diluída. A própria autora explica o porquê disso; no seguinte trecho, a cunhada de Ifemelu fala sobre a autobiografia que está escrevendo, e sobre as opiniões de seu editor:
“Entendo que a questão racial é importante aqui, mas precisamos ter certeza de que o livro vai transcender a raça, para não ser só isso. E eu pensando: mas por que tenho que transcender a raça? Sabe, como se a questão racial fosse uma bebida que é melhor se for servida diluída, temperada com outros líquidos, ou os brancos não vão conseguir engolir.”
Em suma, Chimamanda consegue mostrar como é viver sendo imigrante e as transformações que os indivíduos sofrem ao saírem de seus países – como a perda de identidade cultural, dada a vontade dos personagens de se adequarem à sua nova vida; Chimamanda também mostra que eles acabam presos em sim mesmos, já que esforçadamente negam o que os conecta ao seu país de origem o tempo todo. Eu percebi que não precisamos sair do país pra perceber que nós, como mulheres negras, também apagamos parte de nossa personalidade dependendo de com quem estamos; não podemos conversar sobre coisas que nos incomodam, porque vão dizer que é exagero, ou porque não vão entender – ou não quererão entender. Fazemos isso porque, bem… parece que é mais fácil assim. Não é não, menines. Assim como Ifemelu percebe que é melhor se cercar de pessoas que a aceitam como ela é, eu espero que também chegue para nós um dia no qual a gente não precise mudar para ser aceita, mas sim ser aceita do jeito que a gente é.
Deixe um comentário