Vozes da resistência (I)

Priscilla Mina (Org.). Vozes da resistência. Conexão 7, 2020.

Vozes da resistência, organizado pela editora Priscilla Mina e publicado pela Conexão 7 – empresa composta por Priscilla e seus dois irmãos que tem, entre seus propósitos, atender às demandas do povo negro – é o segundo volume do Projeto Identidade. Como o primeiro volume do projeto, Alma, que já resenhamos para este blog, Vozes da resistência reúne a produção literária de mulheres negras; não obstante, se Alma compilava poesias, Vozes da resistência compila narrativas assinadas por dezoito autoras, de diferentes origens e faixas etárias – o que contribui para a pluralidade de temas e registro presentes no volume. A obra conta com prefácio de Eliana Alves Cruz, a renomada autora de romances como Água de Barrela e O Crime do Cais do Valongo.

Se, como tantas vezes alertou Conceição Evaristo, o racismo impõe desafios particulares para que mulheres negras publiquem suas obras, coletâneas como Vozes da resistência são valiosas precisamente por oferecerem um espaço para a produção literária de escritoras negras – em especial, de novas autoras; ou daquelas que, já tendo outras publicações, costumam recorrer a obras coletivas. Por outro lado, isso possibilita o acesso a uma pluralidade de estilos e temáticas, como pretendo enfatizar nesta resenha – que, por motivos de espaço, dividirei em duas partes.

O livro se abre com “Poli Puff: quando o poder sobe à cabeça”, conto assinado por Ana Carolina Oliveira dos Santos, que trata de um tema de indiscutível importância: o impacto do racismo sobre a infância. Recorrendo a um registro próximo da literatura infantojuvenil, Ana Carolina descreve como a menina Poli consegue superar a opressão racista ao resgatar a própria ancestralidade, através das palavras de sua avó. O ambiente escolar ressurge no conto de Ana Paula Lopes, “Porque representatividade importa!” – que, também empregando um tom voltado a jovens leitoras e leitores, descreve como a menina Ana, após conhecer a exclusão por força do racismo, encontra acolhimento com a chegada de uma professora negra; isso que a inspira a tornar-se, igualmente, professora. Tematizando, em seus contos, a relação entre infância e escola, Ana Carolina Oliveira dos Santos e Ana Paula Lopes abordam aquele espaço em que muitas pessoas negras têm o primeiro contato com o racismo; ao fazê-lo recorrendo a uma escrita acessível ao público jovem, abrem a possibilidade de que seus contos sejam utilizados em sala de aula.

A capoeira surge em dois contos do livro. Em tom autobiográfico, Ana Carolina Lacorte Lima, no conto “Roda em Aruanda”, recorda como tomou conhecimento, através de “Tia Ana” – professora dotada de forte consciência política –, da existência de uma luta que certas pessoas julgavam ser uma dança, utilizada contra a opressão; através da capoeira, a protagonista do conto passa por uma experiência onírica que a leva até Aruanda, reencontrando seus ancestrais. Também Anamô Soares escreve sobre a capoeira, ao narrar, em “Dandara menina”, a história de uma menina que, seguindo os passos de seu pai, conhece a lenda do berimbau, motivando-se a construir seu próprio instrumento e a ensinar outras crianças a fazê-lo. Anamô e Ana Carolina abordam, em seus textos, a capoeira como um elemento cultural de fundamental importância, contemplando seu profundo significado para o povo negro.

Na segunda parte desta resenha, publicada na próxima semana, abordarei as outras narrativas de Vozes da resistência.

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